terça-feira, 8 de março de 2011

Dia da Mulher 2011: o que as empresas podem fazer?

Dia da Mulher 2011: o que as empresas podem fazer?
Reinaldo Bulgarelli, 08 de março de 2011


A impressão que eu tenho, talvez por trabalhar na área, é que o mundo empresarial não está acompanhando as rápidas mudanças na sociedade brasileira. Vejo isso também no mundo empresarial dos países latino-americanos. A sociedade vai na frente e as empresas nem sequer vão atrás.

Ainda não perceberam que há, por exemplo, uma oferta generosa de profissionais mulheres com formação nas mais diferentes áreas. Há mulheres engenheiras, pedreiras, eletricistas, na segurança, advogadas, na área de TI... Mas, muitas empresas ainda insistem em falar em apagão de talentos ou que não há mulheres para trabalhar numa área específica. Em geral, não acompanham dados do IBGE, MEC, IPEA e ficam com discurso incompatível para a realidade que já mudou.

Muitas empresas querem talentos, mas é como se escondessem as condições: “desde que...”. No “desde que” cabe tudo e só sobra o padrão dominante: homem, branco, adulto, sem deficiência, heterossexual, do sul. Travestis e transexuais? Nem pensar! Se há flexibilidade para alguém fora do padrão dominante, não pode ousar demais e sair do lugar. Mulheres devem cuidar das tarefas de sempre e não concorrer a vagas de engenheira, por exemplo. Isso é sair do lugar.

O que as empresas podem fazer para dar um upgrade no seu programa de gestão de pessoas? Podemos listar algumas iniciativas.

1. Sair da caixa e olhar em volta. Buscar e analisar dados sobre a população brasileira. O Brasil e vários países da América Latina estão com uma ótima oferta de indicadores que devem contribuir muito para a gestão empresarial.

2. Voltar pra caixa e olhar para dentro. Realizar censos internos (ver material produzido pela Txai Consultoria e Educação para o Instituto Ethos) é uma boa forma de conhecer a realidade. Nela, em geral, já estão as soluções. Ao olhar para dentro, em geral percebe-se um desperdício de talentos, como mulheres com mais tempo de empresa e mais anos de escolaridade preteridas na carreira por serem mulheres. É preciso dar visibilidade a estas mulheres e programas de mentoring estão ajudando muito nisso, pois ajudam a acelerar a preparação das mulheres ao mesmo tempo em que as torna visíveis e, portanto, a serem consideradas numa próxima promoção.

3. Assumir um posicionamento em relação às desigualdades encontradas fora e dentro da empresa. Quem assiste a banda passar e diz que não tem nada a ver com isso tende a perder os melhores profissionais para quem arregaça as mangas e entende seu papel na história e na sociedade onde a empresa está inserida. Se há injustiças, porque não corrigi-las? Se há barreiras na sociedade ou dentro da empresa, porque não enfrentá-las?

4. Assumir um posicionamento em relação à diversidade. Ou ela é um valor ou não é. Há quem diga que o valor é o mérito, mas costumam ser os mesmos que discriminam a mulher e escolhem sempre pela parecença consigo mesmo e não pelo mérito. E a diversidade não tem mérito, não é uma característica que pode adicionar valor? Se não acredita nisso, continue no processo de clonagem e produzindo mesmice. Se a empresa acredita no valor da diversidade, deve enfrentar barreiras, promover equidade e ter gosto pela diversidade para compor equipes caracterizadas por ela. Equipes só de mulheres ou só de homens, por exemplo, é um atentado à saúde de todos e um risco para os negócios.

Quatro passos bastam para começar. Mas e o machismo? Ele é a ideologia que sustenta essas relações de desigualdade em todos os sentidos, mas pode não resistir a um ambiente de trabalho inclusivo que promove equidade, oportunidades iguais. O machismo, que mora em todos os lugares, incluindo a cabeça das mulheres, tende a ficar muito incomodado quando vê gestores levando a diversidade a sério.

Cotas ou não cotas para as mulheres? Eu defendo as cotas porque são uma forma de acelerar os processos de mudança. Se as empresas estão atrasadas em relação a uma mudança que já ocorreu na sociedade, com tudo que isso pode impactar outras áreas da gestão empresarial, como a relação com clientes, produtos, serviços, atendimento, marketing, comunicação etc., as cotas podem ser um bom remédio. Mas o que se entende por cotas?

Em geral, há tanta coisa para ser feita antes das cotas que vale a pena considerar os passos acima. Retirar barreiras fazendo uma boa revisão dos processos de gestão é um passo que costuma não causar tantas polêmicas. Por exemplo, diversificar fontes de recrutamento e seleção; colocar critérios claros para gestores e impedi-los de colocar a empresa em risco, seja na contração, na gestão cotidiana ou na demissão; perguntar (não ofende!) porque as mulheres não foram escolhidas e apenas os homens e assim por diante.

Vamos pegar um exemplo. Se há uma vaga para alguém formado em engenharia, comece por cuidar da linguagem. Por que anunciar vaga para engenheiro ao invés de profissional de engenharia ou termos mais neutros? A sociedade é sensível a isso e meninas podem sonhar em fazer engenharia só com essa simples atitude. Vagas masculinas com cara de masculinas e anúncios masculinos vão atrair homens.

Onde a vaga será anunciada? Nos lugares de sempre e da maneira de sempre? Por que não criar um processo diferente, mesmo que seja nos lugares de sempre? Que tal deixar claro para a comunidade o interesse da empresa em diversidade ou, explicitamente, em mulheres? Isso não é crime, pelo contrário, é uma grande contribuição à justiça. Estudantes universitárias de engenharia, das mais diferentes áreas, reclamam mais atenção já que perceberam ao longo dos anos de escola que os homens têm mais vez.

Se há 10 candidatos para a vaga, sendo 9 homens e 1 mulher, como gerenciar as etapas da seleção de forma que essas características dos candidatos sejam consideradas? Em geral, fecha-se os olhos na busca do melhor, sem perceber que o machismo produz seus estragos na almejada meritocracia. Nem quero entrar no debate sobre meritocracia, apenas denunciar que ela é uma falácia quando despreza características dos candidatos, ignora aspectos ideológicos ou culturais que podem estar contaminando a análise de mérito. A discriminação significa ineficiência para as empresas, além dos prejuízos para a sociedade.

Mas a candidata mulher deverá necessariamente ser aprovada? Claro que não, mas só de considerá-la, não fingir que se está em busca de “mão-de-obra” sem olhar para as pessoas que estão ali, já é um passo importante para enfrentar a contaminação dos processos pelo machismo. Na verdade, quando se considera a diversidade um valor, o melhor será escolhido.

Outro exemplo de barreira para as mulheres é quando a excluem a priori em nome da força. Dizem que uma atividade não pode ser para mulheres porque precisa de força. Se o processo de recrutamento e seleção coloca foco na força e não no sexo, com certeza terá abertura para escolher homens e mulheres fortes, esses serem incríveis que carregam até 23 quilos, conforme estabelece a lei. Mais que isso é ilegal e perigoso para a saúde dos empregados e da empresa.

Nestes exemplos acima não houve nenhuma meta, nem cota, nem flexibilidade ou condescendência para com os mais fracos, menos preparados, sem condições de assumir as atividades. Pelo contrário, retirar barreiras aproxima as empresas dos melhores talentos, cria ambiente interno mais inclusivo e respeitoso porque a sensação de justiça alimenta um clima e cultura de inovação e fortalece o engajamento.

Investir em comunicação, constituir grupos de trabalho para conversar e propor soluções sobre questões de gênero, realizar eventos, ter contato com especialistas e referências já existentes no mercado, são exemplos de ações que também não envolvem cotas e podem produzir ótimos resultados.

Não tem paciência e precisa de resultados rápidos? Cotas são a melhor solução. Elas fazem esse caminho acima no sentido inverso. Forçam revisão de processos, a retirada de barreiras, o investimento em transformação cultural, as conversas sobre os estragos do machismo e tudo mais. Não há valorização da diversidade sem ações afirmativas. É discurso vazio que elogia e mantém distante a diversidade. Também não há a construção de uma sociedade melhor apenas com ações afirmativas centradas em cotas. Elas são parte de algo maior e surgem para enfrentar o machismo de maneira certeira, rápida e efetiva.

Gestores de pessoas, executivos, equipes de recursos humanos, gente interessada em negócios bem feitos e sustentáveis, o dia da mulher é um convite para pensar como agir diante de uma empresa percebida como masculina, masculinizada e masculinizante. Pode ser um dia ou semana para dar bombons, flores, mas dar oportunidades iguais é o melhor presente. E é para todos e todas!