quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Poderíamos viver sem cooperarmos uns com os outros?


Dia do voluntariado 2012 – Poderíamos viver sem cooperarmos uns com os outros?

Reinaldo Bulgarelli
05 de dezembro de 2012

Hoje, no mundo todo, é o dia bacana em que se comemora o voluntariado. A data é uma iniciativa da ONU, que reconhece a importância do voluntariado para um mundo melhor. O nome do mundo melhor hoje é desenvolvimento sustentável, uma agenda complexa que exige a participação das pessoas de muitas maneiras. É sustentável o desenvolvimento se for com a participação de todos e voltado a todos, portanto, respeitoso com a diversidade, inclusivo e promotor da cooperação.

Imagine nosso mundo humano sem cooperação. Existiria? A revista BBC Knowledge – Conhecer, de abril deste ano, trouxe matéria falando sobre nossa evolução. “Voltando ao tempo em 80 mil anos, éramos uma entre as cerca de cinco espécies de humanos vagando pela Terra. Há 50 mil anos, o Homo sapiens venceu todos os outros hominídeos para se tornar a única espécie humana sobrevivente. Mas, o que fez de nós os vencedores nessa batalha pela sobrevivência? Foi obra do acaso ou as nossas habilidades e atributos desempenharam um papel crucial nessa vitória?”

Eu prefiro uma das explicações que fala sobre cooperação. Saiu na revista Isto É, de 16 de maio deste ano também, uma fala do professor Edward Wilson, de Harvard, considerado o pai da sociobiologia e ganhador de dois prêmios Pulitzer. Ele publicou o livro “A Conquista Social da Terra” e a matéria na revista diz o seguinte: “O processo evolutivo é mais bem-sucedido em sociedades nas quais os indivíduos colaboram uns com os outros para um objetivo comum. Assim, grupos de pessoas, empresas e até países que agem pensando em benefício dos outros e de forma coletiva alcançam mais sucesso.”

Apesar de toda polêmica entre Wilson, Richard Dawkins e Georgy Koentges, entre outros, acho essa fala do professor Wilson mais generosa para explicar como chegamos até aqui. Nascemos da cooperação e para a cooperação. O voluntariado é uma das maneiras de cooperarmos, exercitarmos essa deliciosa capacidade de sermos solidários em situações das mais variadas, nem sempre tão fáceis ou prazerosas. O prazer está em se sentir bem fazendo algo bom para um mundo melhor.

Desde plantar uma flor na praça do bairro até contribuir para a promoção da paz em comunidades em conflito, doando um tempinho que sobra ou atuando como ativista todas as horas do seu dia, o voluntário comprometido com o mundo melhor faz a diferença e seu dia é para celebrar essa sua disposição de cooperar, ajudar, transformar realidades e afirmar sua crença na dignidade humana.

Ser voluntário, portanto, é estar conectado em algo maior mesmo quando agindo pontualmente. É essa conexão que dá força, transforma a realidade e a própria pessoa voluntária. O motivo que a levou a agir pode ser um, mas os motivos para permanecer são muitos.

Trabalhando com o mundo empresarial, escuto demais a palavra competição e muito pouco, em comparação, a palavra cooperação.  Fala-se de trabalho em equipe, mas parece mais uma exigência para melhorar a produtividade do que o reconhecimento de que há ali uma equipe de pessoas, que devem agir como tal na cooperação umas com as outras, sempre considerando a diversidade que caracteriza a todos como riqueza e não um problema.

Cooperação é tudo de bom para enfrentarmos os desafios da vida e para darmos conta, juntos, do sonho de tornar nosso mundo sustentável, mesmo porque não há outra saída. Ou seremos sustentáveis ou não seremos. Catastrófico? Não quero nunca passar essa ideia, mas precisamos ser muito sérios na leitura da realidade em que estamos inseridos e tudo indica que precisamos participar mais da vida comunitária, das decisões na vida privada e pública que nos levem para o futuro e não para o extermínio.

Hoje também foi divulgada a terceira edição da FASFIL (Fundações Privadas e Associações sem Fim Lucrativos), IBGE 2012, com dados de 2010. Ela mostra que houve uma queda no ritmo de crescimento destas organizações, mas um crescimento no número de pessoas ocupadas formalmente nelas, além do aumento da remuneração no setor. As organizações privadas e sem fins lucrativos estão mais fortes. O documento também demonstra como essas organizações, melhor do que todo o restante do mercado de trabalho, está sabendo atrair e acolher as mulheres. Elas encontram nestas organizações uma maneira de expressar sua consideração pelo todo, pelo bem comum, para além dos interesses privados.

Empresas que mobilizam seus profissionais para atuar na realidade em parceria com estas organizações, estão beneficiando muita gente e também se beneficiando. Um dos benefícios é que seus profissionais estarão em contato com organizações onde está concentrada a maioria das pessoas com nível superior de ensino. Sim, “é mais que o dobro o número de pessoas com nível superior na FASFIL do que no restante do mercado de trabalho”, diz Anna Peliano, Anna Peliano, técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicadas(IPEA). Há uma riqueza produzida no encontro das pessoas das empresas com aquelas que se dedicam às organizações sem fins lucrativos, aprendizados que interessam a todos, incluindo as empresas.

O programa de voluntariado da ONU diz que “o voluntariado beneficia tanto a sociedade em geral como cada indivíduo através do reforço da solidariedade, da confiança e da reciprocidade entre os cidadãos, criando oportunidades de participação.” E ampliar a participação das pessoas é algo essencial para o nosso futuro. No Brasil, uma sociedade de baixa participação, precisamos de espaços educativos, como as ações voluntárias, para gerar esse aprendizado sobre como fazer a diferença no espaço do bem comum, fortalecer a vontade das pessoas em fazer parte das decisões e das ações que tornem a vida mais sustentável.

Na mensagem bonita enviada hoje para celebrar o dia do voluntariado, Ban Ki-moon, Secretário Geral da ONU, nos lembrou que “Fundado sobre os valores de solidariedade e de confiança recíproca, o voluntariado transcende todas as fronteiras culturais, linguísticas e geográficas. Ao dar o seu tempo e habilidades, sem expectativa de recompensa material, os próprios voluntários são encorajados por um sentido de propósito singular.”

Em 2009 ele havia dito algo parecido: “O trabalho voluntário é uma fonte de força comunitária, superação, solidariedade e coesão social. Ele pode trazer uma mudança social positiva, promovendo o respeito à diversidade, à igualdade e à participação de todos. Está entre os ativos mais importantes da sociedade.”

Já pensou uma sociedade que até tenha mais dinheiro no bolso, como a nossa, mas que não mobiliza, atrai e mantém as pessoas mobilizadas para cooperar umas com as outras na construção do presente e do futuro? Não há futuro sem participação, confiança e interação entre as pessoas. O voluntariado é um excelente espaço para exercitarmos essa vocação que temos para olharmos à nossa volta e encontrarmos oportunidades de melhorar algo.

Parabéns voluntários e voluntárias! Estamos escrevendo a história.

domingo, 23 de setembro de 2012

Organizações MMM: masculinas, masculinizadas e masculinizantes


Organizações MMM: masculinas, masculinizadas e masculinizantes

Reinaldo Bulgarelli, 27 de fevereiro de 2012


Imagem: fila de homens executivos
 com um sendo pinçado
por uma mão gigante
Lidando com a realidade atual, ainda temos um número superior de homens em todos os níveis no mercado de trabalho. Segundo a pesquisa do Instituto Ethos e IBOPE “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil”, de 2010, tínhamos 33% de mulheres no quadro funcional, 27% na supervisão, 22% na gerência e 14% no quadro executivo. Temos, portanto, organizações masculinas.

As organizações masculinas, por sua vez, estabelecem e cristalizam um jeito de trabalhar, falar, se vestir, mandar, obedecer, sentir, analisar, planejar e olhar a realidade que são também masculinas. Os rituais da empresa são masculinizados e tendemos a dar valor a quem pensa, sente, é e age como homem. As organizações são masculinizadas no seu jeito de pensar, sentir, ser e agir.

Organizações masculinas e masculinizadas exercem um poder de coerção imenso sobre todos para que a masculinidade esteja presente o tempo todo. Mesmo quem não é masculino ou masculinizado, tem que se transformar para ser aceito, tolerado e para sobreviver na organização. As organizações são, desta forma, masculinizantes.

Organizações MMM são estressantes até mesmo para os homens. Tanta testosterona faz mal para a saúde de todos, dos negócios e da sociedade. O triste desta história, além do óbvio, é que os homens não estão se preparando para viver a transição. Em breve teremos organizações tão masculinas quanto femininas. Tomara que seja também no jeito de pensar, sentir, ser e agir. De todo jeito, quanto mais mulheres chegam ao mercado de trabalho, mais transformações acontecem em suas vidas, em suas famílias, na sociedade e sua maneira de pensar, sentir, ser e agir.

Valorizar a diversidade é atuar de forma planejada para transformar as nossas organizações, neste caso, em espaços tão masculinos quanto femininos para dar conta de uma realidade que está, aliás, se tornando mais e mais feminina. Hoje, segundo o IBGE, as mulheres já são maioria na sociedade brasileira. O poder do machismo sobre homens e mulheres não se dilui com a mudança demográfica, mas tende a passar por transformações. É fundamental enfrentar esse machismo para que as organizações deixem de ser também masculinizadas e masculinizantes.

As mulheres estão percebendo mais as mudanças porque a chamada minoria observa cada gesto dos poderosos para poder sobreviver, resistir, vencê-los ou até imitá-los, na pior das hipóteses. Eles, por sua vez, olham para o horizonte dos que estão por cima e podem se iludir na impressão de que nada há para ser modificado em seu status. Organizações que valorizam a diversidade pensam nisso tudo e em como criar espaços de diálogo para que todos passem pelas transformações como sujeitos ativos desta história e não como expectadores ou até mesmo atropelados por ela. Falar no assunto é uma forma de perceber as mudanças e tudo que ela implica no jeito de pensar, sentir, ser e agir.

Você, homem ou mulher, tem pensado sobre isso? Sua vida, seus amores, seu trabalho, os negócios de sua organização, a sua sociedade, as relações, enfim, tudo está passando por uma transição que afeta diretamente a sua existência. Um mundo FFF será tão chato como este mundo MMM que construímos. Valorizar a diversidade implica construirmos juntos, homens e mulheres, uma sociedade MF onde a complementaridade nos leve rapidamente e com maior qualidade para um mundo mais sustentável. Alguém tem dúvida de que o mundo sustentável não será MMM?
 
*Publicado originalmente no Blog do Guilherme Bara, em 27 de fevereiro de 2012

sábado, 18 de agosto de 2012

É proibido dizer que doeu, mesmo quando está doendo e muito!

Reinaldo Bulgarelli
12 de agosto de 2012

O machismo produz impactos horríveis na vida das mulheres executivas. Elas são boicotadas, traídas, deixadas para trás, têm que escutar bobagens sobre as mulheres ou sobre elas mesmas, mas se recusam a assumir o lugar de vítimas.
Talvez façam isso por uma altivez suicida, ingenuidade ou por efeito do próprio machismo assimilado com facilidade por muitas mulheres, afinal, como sempre gosto de lembrar, o machismo é ideologia que anda por todas as cabeças e não apenas pela dos homens.
Também há a pressão da sociedade atual dizendo que ninguém no mundo das empresas e dos empreendedores pode parecer fraco, frágil, vulnerável. É proibido demonstrar dúvida, dores, medos, se arrepender de algo ou parecer que sentiu a paulada que realmente aconteceu.
Você pode sofrer traições, humilhações, boicotes, assédios, discriminações descaradas, mas é mais digno, nesta lógica esquisita dos tempos atuais, fingir que nada acontece e seguir em frente com um sorriso estampado. “Ops, passou um caminhão em cima de mim, mas não foi nada e já estou de pé novamente.”
É uma cultura estranha. Elogia-se exageradamente quem luta contra uma doença, como se a morte não fosse uma possibilidade da vida. Assumir a derrota é inaceitável e o bonito é lutar sempre até o fim. Ou fingir que está tudo bem, mesmo quando não está. A felicidade é uma obrigação e ela precisa ser ostentada o tempo todo, pegando mal demonstrar tristeza, depressão, descontentamento.
Os fortes não choram, não reclamam, não desistem jamais e, aí está o problema, podem também não querer lutar por seus direitos, denunciar injustiças, dizer que algo não vai bem. Quando se é minoria, no sentido político, de não ter voz nem vez, é honroso fingir que as barreiras não existem e demonstrar coragem ou que se é igual a todo mundo.
Mas a desigualdade está dada, a injustiça está presente. Mesmo assim, a qualquer preço, é importante dizer que se é igual a todos e que não se quer tratamento diferenciado, de coitadinho. Jamais, dizem, pareça ser diferente. O aceitável é ser igual. E lá se foi a possibilidade de adição de valor.
Somos diferentes uns dos outros e do padrão dominante. Por isso mesmo alguns de nós enfrentam barreiras e estão em situação de desigualdade ou de injustiça. Mesmo assim, o correto é não se fazer de vítima, mesmo sendo, mesmo enfrentando crueldades. O bacana é dizer que se é igual, que quer tratamento igual, que a diferença não importa.
Em país de baixa participação, com muito discurso sobre cidadania e pouca prática, todos falam em respeito aos direitos, mas quase ninguém fala das diferenças, das crueldades da discriminação e das dores da injustiça. É feio assumir-se vítima delas. Bonito é ser igual, se esforçar e, assim, vencer.
Temos quase 90% de homens em cargos executivos nas 500 maiores empresas do Brasil e isso quer dizer que as mulheres não se esforçam e por isso não chegam lá? É isso que escuto e é isso que precisamos enfrentar para mudar a realidade.
Não tem coisa mais triste que alguém se fazendo de coitadinho ou querendo ficar no lugar subalternizado que lhe foi imposto, assumindo que não nasceu mesmo para lutar e muito menos para vencer. Mas também acho que não tem nada mais horrível do que alguém querendo esconder o golpe duro que levou ou as feridas do tombo.
Não é humano e nem postura cidadã. Muito menos contribui para mudar as coisas para melhor nas organizações. Sem assumir a realidade, vivendo de fantasias, como construir organizações melhores em um mundo melhor, coisa que todo mundo diz querer?
Para as jovens mulheres que entram no mercado de trabalho por meio da legislação da aprendizagem eu sempre digo para prestarem atenção no fato de serem mulheres. Parece esquisito ter que dizer isso, mas é que elas estão dopadas pela onda individualista que ensina que o esforço é trará resultados.
Alerto para o fato de que estão entrando em território masculino, masculinizado e masculinizante. O mesmo vale para os gays, os negros, os jovens com deficiência, sem esquecer outras situações e o próprio fato de que a juventude é desprezada neste mundo adulto, adultocêntrico e adultizante, que só vê valor no que é “maduro”, experiente, pronto.
O alerta não é para construírem trincheiras, empunharem armas contra inimigos, ficarem com pé atrás, mas para assumirem o que são num mundo que não gosta do que são, preparar-se para o diálogo, para a troca, sempre a partir da realidade e não da fantasia de que tudo é lindo, lindo está e lindo ficará se houver esforço.
O padrão dominante que, aliás, é uma ficção, já anda bastante “sensibilizado” para respeitar as minorias e está até mesmo mostrando as garras sempre que alguma pequena ameaça ao seu poder se apresenta. Resta agora “sensibilizar” as minorias para deixar de querer ser igual (a quê ou a quem?) e apreciar a diversidade.
As chamadas minorias dão sua contribuição criativa e inovadora, como dizia Luther King, quando se assumem como são, denunciam o golpe sofrido, apontam problemas e participam ativamente da busca de soluções. Fora disso, é o mundo do faz de conta e mais tempo levaremos para mudar a situação atual.

* Publicado originalmente no Blog da Rede Ubuntu - http://www.redeubuntu.com.br/blog/%C3%A9-proibido-dizer-que-doeu-mesmo-quando-est%C3%A1-doendo-e-muito

Educação Inclusiva

Reinaldo Bulgarelli,
23 de julho de 2012

Dia desses fui visitar uma escola de educação infantil aqui do bairro. Estava procurando escola para meu afilhado e começamos por uma particular. Minha preferência, para manter a coerência, será uma escola pública, mas a mãe do meu afilhado queria que eu conhecesse as opções que temos nas proximidades.
Fiquei encantado com a escola porque, sem saber, caí no paraíso da diversidade. Aquelas criancinhas todas ali brincando, se divertindo juntas e nem se dando conta de que estavam num lugar tão especial. Só mais adiante é que elas vão se dar conta disso. Acabaram de chegar ao mundo e não têm parâmetros para a comparação. Eu imagino lugares assim nos meus textos, nas minhas palestras, nos desenhos de programas que ajudo as organizações a fazer quando pensam em valorizar a diversidade.
A diretora da escola nos atendeu e foi mostrando tudo, permitindo nossa interação com as crianças, os professores, funcionários e com os pais. Eu não queria incomodar e atrapalhar a rotina, portanto, fiquei cheio de vontade de voltar a trabalhar com creche e pré-escola. Quase me matriculei na escola!
O que me encantou foi o apreço daquela escola pela diversidade. O espaço físico nem é tão bom assim, cheio de barreiras para a mobilidade de todos, mas tudo transpirava o gosto pela diversidade.
Havia educadores homens. É uma beleza ver homens não apenas em atividades administrativas. É evidente que fazem ação afirmativa para garantir uma equipe de educadores tão masculina quanto feminina. O mundo da educação, sobretudo a infantil, ainda atrai mais as mulheres. A escola, portanto, gerenciava a divulgação das vagas, as inscrições dos candidatos e a seleção da equipe. Devem considerar a diversidade de gênero como um critério para seleção que garante o sucesso da escola.
Se a escola apenas abrisse as portas sem gerenciar o processo de recrutamento e seleção, diria que não discrimina ninguém, que só apareceram mulheres. Como a escola gosta da diversidade e entende que ela constitui uma competência organizacional que faz bem para todos, não hesita em realizar ações afirmativas que garantam diversidade de gênero. Simples assim, mas algo raro de se ver ainda hoje.
Era uma escola particular, portanto, dentro do regime de segregação racial no qual vivemos, fiquei feliz ao ver tantas crianças negras. A diretora explicou que a escola não coloca barreiras para crianças negras. A fala dela dava a entender que outrora ou que em outros lugares a barreira exista. Mais que isso, ela disse que a escola busca a diversidade racial, além de diferentes classes sociais.
Disse, ainda, que a escola acabou sendo a preferida dos estrangeiros negros que estão no bairro, em geral médicos, executivos e profissionais liberais que moram ou trabalham nas proximidades. Não deixou de comentar que muitos acham que as crianças negras são pobres, talvez me incluindo entre essa multidão preconceituosa. Que nada! Algumas eram até ricas, disse a diretora, e que os pais gostavam da postura e do ambiente da escola. A diversidade racial era um fator de competitividade entre as escolas de educação infantil do meu bairro!
Eu logo perguntei sobre as atividades, querendo chegar às questões de gênero, mas sem revelar minhas verdadeiras intenções. Explicações disso e daquilo foram dadas até que perguntei se os meninos e meninas brincavam das mesmas coisas. Ela disse que era difícil quebrar os tabus. Os pais reclamam. As meninas fazem balé e tudo mais. Os meninos só fazem aulas de judô. Disse, contudo, que realizam oficinas sobre gênero para a equipe. Estão no caminho, mas não é incrível que essa barreira ainda permaneça na cabeça dos adultos?
As meninas não têm mais nenhuma ou quase nenhuma interdição e brincam de tudo, mas os meninos ainda são proibidos de brincar de boneca, casinha, enfim de tudo aquilo que precisarão para viver no século XXI. Esses meninos, mais que nunca, vão conviver com mulheres inseridas no mercado de trabalho e que esperam parceiros tão presentes nas atividades de casa como elas estão presentes nas atividades das organizações.
Vi também que havia crianças com deficiência, apesar da arquitetura nada adequada para todos, sobretudo para crianças pequenas. Torço para que saiam logo deste lugar e encontrem um espaço compatível com a proposta e com as posturas. As crianças com deficiência estavam nas turmas e não segregadas em “salas especiais”. Também não vi queixas de que as crianças com deficiência davam mais trabalho.
Há professores por aí que dizem que as crianças com deficiências devem aguardar do lado de fora enquanto eles se preparam. Há, ainda, os que dizem que é preciso um batalhão de professores auxiliares, talvez para manter a segregação dentro da sala de aula. Enquanto as professoras “normais” cuidam das crianças “normais”, o batalhão iria cuidar das “outras” crianças.
Perguntei sobre a aceitação dos pais das crianças sem deficiência. A diretora disse que a inclusão era um valor da escola e que os pais descontentes procuravam outras escolas, mas que não havia assim tanto problemas, até porque a escola já é conhecida no bairro. Era um valor, portanto, os incomodados que se mudem. A máxima de que “o cliente tem sempre razão” não encontra espaço numa organização que tem uma identidade sólida e seus valores inegociáveis. Gostei de ver e fiquei lembrando que há empresas que ainda ficam do lado do cliente, mesmo diante de práticas de discriminação contra seus funcionários.
Enfim, sai de lá encantado. Uma escola que valoriza a diversidade combate a discriminação e se organiza de maneira a promover a diversidade na maneira de ser e de realizar suas atividades. Isso é válido para toda e qualquer organização. Hoje uma aluna do curso de Sustentabilidade e Responsabilidade Social Corporativa que coordeno na FGV, a Anita, me enviou pelo Facebook uma matéria da FAPESP sobre este tema.
Vivenciar a experiência da educação inclusiva na pré-escola pode promover a abertura em relação ao diferente, dizia a autora da matéria, Karina Toledo. Estava baseada na pesquisa qualitativa com alunos entre 7 e 16 anos de idade egressos de uma determinada creche pública. A pesquisa foi realizada pelo Instituto de Psicologia da USP. Esses alunos interagiam melhor com colegas, tinham valores que facilitavam sua inserção no mundo atual e participavam promovendo soluções nas situações de conflito que envolviam preconceitos e discriminações.
“’A ideia era entrevistar esses alunos, agora no ensino fundamental e em escolas diferentes, para avaliar se a experiência da educação inclusiva pré-escolar teve impacto em suas atitudes e valores’, contou Marie Claire Sekkel, coordenadora da pesquisa que teve apoio da FAPESP.”
Hoje de manhã eu estava numa grande empresa exatamente conversando sobre como a valorização e promoção da diversidade na organização capacitava a todos para lidar com um mundo também diverso, ampliando os horizontes, formando gente criativa, inovadora, aberta a mudanças e à complexidade dos tempos atuais. Já não estão mais na educação infantil, mas a empresa também é lugar de desenvolvimento das pessoas para lidar com diferentes perspectivas.
E tem aquelas pessoas que dizem que é preciso acabar o mundo e começar de novo pela creche. Não estou dizendo isso aqui neste artigo e sou muito contrário a esta ideia, como já disse tantas vezes. A infância e a educação infantil – creche e pré-escola, são fundamentais para nossa formação, mas como qualquer outra fase da vida. Enquanto estamos vivos, estamos aprendendo. Até o último suspiro somos seres que dialogam com o mundo, inacabados, prontos para se transformar, aprender e realizar mudanças.
Há outros que dizem que de nada adianta porque a criancinha sai de uma escola assim bacana e cai num mundo perverso, logo esquecendo o que viveram. Mas a educação inclusiva não está apenas na dimensão do tempo. Está na dimensão do amor. Não há nada que o amor não possa curar ou que não possa perpetuar. Não é o tempo que cura nossas dores ou que nos salva dos espaços perversos. O tempo pode gerar esquecimento. O amor gera lembranças. Quando se vive de verdade, tudo que queremos é amor.
Educação inclusiva é gesto de amor. Não é vivência que permanece porque foi vivenciada na primeira ou na “última infância”, mas porque foi vivência significativa de acolhimento da vida como ela é. Sempre que se acolhe a vida em sua diversidade criadora, está se acolhendo o amor e nada fala mais alto do que uma experiência de amor.
* Publicado originalmente no Blog do Guilherme Bara - http://www.blogdoguilhermebara.com.br/educacao-inclusiva/

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Diversidade étária - A inovação está na qualidade das relações

Diversidade etária - a inovação está na qualidade das relações.

Reinaldo Bulgarelli, 17 de julho de 2012

O trabalho com jovens, sobretudo aprendizes (em cumprimento à legislação de cotas para jovens nas empresas), mas não apenas, está me gerando algumas questões com as quais venho me debatendo ultimamente.

A primeira delas é que importamos um modelo para pensar as gerações por meio de letrinhas ou apelidos, talvez na tentativa de uma taxonomia que revele quem é quem nesta história toda. Taxonomia é palavra que vem do grego e diz respeito à nossa vontade de classificar as coisas e os seres vivos. Quase tudo pode ser classificado! Assim, temos a geração Y, Z, Baby Boomer e outras.

O problema com elas é que o modelo importado nem sempre se preocupa em adaptar para a realidade brasileira. As tecnologias lançadas nos Estados Unidos não chegaram aqui ao mesmo tempo e nem da mesma forma, com os mesmos significados e alcance. Também a história americana e brasileira guardam distâncias.

Enquanto estávamos nós aqui vivendo em plena ditadura militar, eles lá ampliavam os direitos civis com lideranças que foram até assassinadas, mas não pelo Estado. Enfim, distâncias entre as realidades e impactos no desenvolvimento das pessoas, em sua infância, juventude, inserção no mundo adulto e envelhecimento.

A tentativa de classificar um jovem com atributos baseados nas experiências que teve ou em suas interações com o mundo e suas inovações tecnológicas, culturais, econômicas e políticas, entre outras, pode ser reducionista, limitante e limitadora. Podemos sim falar em gerações, mas as generalizações podem cair num estereótipo que aprisiona o entendimento e tenta aprisionar os sujeitos concretos que estão diante de você.

É importante considerar, por exemplo, a região do país na qual a pessoa nasceu e viveu, bem como seu pertencimento racial, de gênero, de classe social, deficiência, o contexto sócio-político-cultural e econômico. Também há as escolhas das pessoas, seus gostos, enfim, suas individualidades. Se é possível generalizar que tal geração tem uma característica, há que se considerar tantos recortes que quase fica inviabilizada a tentativa de dizer que a geração Z, por exemplo, é assim ou assado.

Geração Z? São os nascidos na metade da década de 90 até os dias atuais. Um mundo de coisas aconteceu neste período e essa taxonomia deve passar a considerar também que as mudanças mudaram, estão cada vez mais ligeiras e profundas.

Bom, você já viu minha implicância com esses apelidos e maneiras de lidar com as gerações, não é mesmo? Volto a dizer que não sou contra a tentativa, mas estranho as generalizações, a falta de um produção de conhecimento sobre contextos brasileiros e a rapidez com que se desconsideram recortes dos mais variados. Os efeitos disso são muitos e temos, em geral, uma turma descontente por ser classificada numa geração com tais características e não outras.

Também há a sensação muito concreta de que tudo isso é utilizado para reforçar estigmas e colocar as pessoas em caixinhas. Se você nasceu nos anos 60, como eu, é rotulado como alguém que não sabe lidar com novas tecnologias e, veja o perigo, pode ser alijado de oportunidades no mercado de trabalho por ver velho, antiquado e sem competências que nem sequer foram verificadas porque sua idade já diz tudo.

Outro perigo é acreditar que toda uma geração tem o dom congênito de salvar o planeta. Ainda hoje ouço e vejo aplicação na prática da máxima de que juventude é igual à inovação. Há empresas perseguindo, humilhando, desqualificando e demitindo os mais velhos por conta desta crença de que para inovar é preciso se livrar dos que nasceram antes dos anos 80 e substituí-los pelos mais jovens.

Não é a perspectiva de empresas que valorizam a diversidade. Elas tentam compreender as diferentes gerações, sobretudo dialogando e estudando os contextos com os muitos recortes possíveis. Elas também sabem que a criatividade, a capacidade de uma organização se reinventar e ser mais inovadora estão na qualidade das relações entre pessoas mais jovens e mais velhas, entre as diferentes gerações que ela é capaz de atrair, desenvolver e fazer adicionar valor a todos.

A inovação não está num polo ou outro, está na qualidade das relações, o que envolve gestão da diversidade etária e a promoção de valores como respeito, diálogo, tolerância, gosto por conviver em espaços plurais, ricos em referências das mais variadas e suas muitas perspectivas. Claro que há a tendência infantil de sempre considerar a sua característica a única, especial, melhor, mais interessante, mas nada que a gestão da diversidade etária não consiga resolver.

Não é gostoso dar-se conta de que tudo que é outro é esquisito e que tudo que é seu é normal, tendo que enfrentar essa lógica, tendo de enfrentar-se nesta construção de algo que seja nosso? Por isso insisto sempre nesta ideia de que diversos não os outros, alguns de nós, mas diversos somos todos.
Uma amiga, a Maju, me disse que a ideia de que esquisitos somos todos era muito interessante, brincando com o nome do meu livro - “Diversos Somos Todos”. Ela está certa.

É também injusto para com os jovens atribuir-lhes a tarefa da inovação e a salvação da lavoura. Eles mal chegaram e já estão recebendo este peso nas costas. Quando vejo empresas organizando seus espaços de diálogo e de atuação conjunta, de cooperação, entre pessoas das diferentes idades, ouço relatos interessantes sobre o valor da diversidade. Os mais velhos e os mais jovens agradecem a oportunidade que tiveram de conviver, de aprender coisas que suas turmas sozinhas não conseguiriam aprender. Os mais jovens, sobretudo, se sentem mais aliviados e seguros porque é muita pressão ficar esperando que alguém apresente algo novo sem nem mesmo ter conhecido o que já foi feito.

Rebelião! Se você também está incomodado com esses rótulos superficiais e que servem para impor um lugar para você no mundo, rebele-se, diga como se sente, recuse fazer parte de grupos que lhe são impostos. Todos nós nascemos para brilhar! O ano em que você nasceu, como outros marcadores identitários, não pode ser uma sina, um destino traçado que define o que você foi, é e será. A vida é bela e muito mais interessante que isso. Os marcadores identitários são uma referência para construirmos o futuro e não para sermos congelados em alguma prateleira das organizações.

Publicado originalmente em 17 de julho de 2012 no Blog da Rede Ubuntu -
http://www.redeubuntu.com.br/blog/diversidade-et%C3%A1ria-inova%C3%A7%C3%A3o-est%C3%A1-na-qualidade-das-rela%C3%A7%C3%B5es

sábado, 23 de junho de 2012

Quantos anos são necessários para mulheres, negros e pessoas com deficiência trabalharem em organizações mais justas?

Quantos anos são necessários?

Quantos anos são necessários para mulheres, negros e pessoas com deficiência estarem representadas adequadamente no quadro executivo das empresas no Brasil?


Por Reinaldo Bulgarelli


Peguei os dados da pesquisa do Instituto Ethos e IBOPE – Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas, divulgada em novembro de 2010, para saber como andava a evolução da contratação de mulheres, negros e pessoas com deficiência de2001 a2010, período em que essa pesquisa vem sendo realizada. Não é assim que se faz contas e muito menos projeções porque a vida é mais complexa e há muitos fatores influenciando nestes dados, mas fiz o que não se deve fazer.

Peguei os dados de cargos executivos, que evoluíram 0,3 pontos percentuais em nove anos. Considerando que as pessoas com deficiência representavam 24% da população, de acordo com o Censo de 2010, e considerando que paramos de discrimina-las em 2010, fiz a seguinte pergunta: em quantos anos atingiremos a igualdade entre pessoas com e sem deficiência no quadro executivo das empresas no Brasil? Sabem qual foi a resposta? Em mil setecentos e um anos. Já imaginou se não houvesse a legislação de cotas para esse segmento? No ano de 3.711 tudo estará resolvido em termos de representação justa nos cargos de liderança das 500 maiores empresas do Brasil…

Para negros, fazendo o mesmo cálculo, a igualdade no quadro executivo acontecerá daqui a 149 anos e para as mulheres em 42 anos. As mulheres, desde que não sejam negras e sem deficiência, porque aí a conta seria outra, estão em melhor situação, ou seja, em 2052 elas poderão comemorar o fim da disparidade entre homens e mulheres na liderança das empresas. Se nada for feito, se deixarmos as coisas andarem “naturalmente”, assim será. Já fez as contas para saber quantos anos você terá? E suas filhas? Tem coragem de dizer a uma mulher que está ingressando agora no mercado de trabalho que em 42 anos ela não enfrentará mais barreiras e até poderá ocupar “naturalmente” cargos de liderança importantes nas empresas?

Volto a dizer que é um exercício de ficção científica porque a vida é complexa e também encontra soluções cada vez mais inteligentes para aquilo que a sociedade elege como prioritário. Assim eu acredito porque somos capazes de tantas coisas boas. Depende de nossa vontade para priorizar esse tema da equidade, da valorização da diversidade e da inclusão.

Estamos priorizando enfrentar as desigualdades injustas? Já não nos conformamos mais com estes dados e buscamos dar respostas que modifiquem a realidade atual? Paramos de transformar diferenças em motivo para a geração dessas desigualdades injustas? Eu acredito que estamos agora lidando melhor com esses temas. A decisão do STF sobre cotas para negros nas universidades é um exemplo que me deixa otimista. Mas, ainda tem muita gente no mundo empresarial que acredita que tudo se resolverá naturalmente.

Como poderemos resolver com tanta naturalidade o que criamos e mantemos com tamanho gasto de energia? Sim, tenho apresentado constantemente essa ideia de que gastamos mais energia (tempo, dinheiro, inteligência…) para excluir, para criar processos, sistemas e estruturas para deixar alguns do lado de fora, do que gastaríamos para a inclusão. Fazemos de tudo para afastar nossas organizações da diversidade.

Parando de atrapalhar o caminho das pessoas já teríamos um bom resultado. Custa caro incluir? E quanto custa ficar criando esse aparato da exclusão? E o custo de deixar parte do mercado interno excluído do trabalho? Nem estou falando no sofrimento que isso representa para as pessoas apartadas, assim como não estou falando de trabalho decente, de equiparação salarial, de qualidade de vida para todos, sem disparidades entre pessoas com e sem deficiência, homens e mulheres, brancos e negros.

Também não estão falando aqui do prejuízo para as empresas do ponto de vista do empobrecimento que significa, por exemplo, 87% de homens tomando decisões importantes sobre o presente e o futuro delas. É o dado que temos hoje nas 500 maiores empresas.

A diversidade enriquece os ambientes e melhora a qualidade das decisões ao trazer mais perspectivas, pontos de vista, interesses, histórias de vida, entre outros aspectos, para a mesa de discussões. O planejamento estratégico é afetado diretamente por uma rica diversidade que possa se expressar e interagir. Quando isso não acontece, o risco da mesmice, a visão limitada sobre a realidade e a qualidade da ação sobre essa realidade podem comprometer o sucesso dos empreendimentos. Parece óbvio, mas essa ausência de alguns de nós incomoda muita gente, mas não tanta gente quanto seria necessário para mudar mais rapidamente essa realidade.

E você, o que acha que poderia ser feito? O que poderíamos deixar de fazer ou fazer mais e melhor para acelerar as transformações na direção de maior diversidade nas empresas brasileiras? O que você tem feito para contribuir nesta mudança?

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Por onde se deve começar a inclusão?

Por onde se deve começar a inclusão?

Muita gente, mesmo aqueles que trabalham com inclusão de pessoas com deficiência, caem nas armadilhas do círculo vicioso da exclusão. Uma delas diz respeito à crença de que o mundo atual deve ser jogado fora para se iniciar tudo em outras bases. Como isso não é possível, dizem que o fio da meada é a educação, de preferência a educação infantil – creche e pré-escola.

Se estamos inseridos num círculo vicioso que gera exclusão, não há fio da meada e nem a possibilidade ética de dizer para as gerações atuais que tudo está perdido e que voltem para casa porque apenas as novíssimas gerações terão oportunidades. É proposta autoritária, paternalista (supõe que haja deuses cuidando da educação) e impossível de realizar ou tornar realidade.

Os círculos viciosos são quebrados em qualquer lugar ou momento. No caso das pessoas com deficiência, estamos vivenciando exatamente essa situação. A legislação que impôs reserva de cotas para elas no mercado de trabalho não esperou o mundo se acabar ou começar de novo para interferir na realidade.

Focando num dos momentos da vida das pessoas, a inserção no mercado de trabalho, está gerando, por sua vez, impactos positivos na família, na educação, na comunidade e em vários outros aspectos da vida em sociedade, como o transporte, comunicação, turismo, atitudes e comportamentos de todos.

Crianças, jovens ou adultos com deficiência, ao perceber que há agora essa possibilidade de inserção no mercado de trabalho, sentem-se motivados a estudar, a ganhar espaço no mercado de consumo e dispostos a brigar por direitos, a rediscutir a qualidade das relações familiares, a vida afetiva, a maneira, enfim, de ser e de estar no mundo.

E se o processo de inclusão começasse pela creche? Também aconteceria o mesmo, mas acredito que a escolha, casual ou proposital, pelo mercado de trabalho conferiu ainda mais força para essa transformação do circulo vicioso em um circulo virtuoso que a tudo e todos transforma. Ter um trabalho e receber uma renda no mercado formal confere à pessoa um status que a transforma mais rapidamente em sujeito da própria história.

Quem não tem boa vontade para incluir e prefere posturas paternalistas, se queixa que as pessoas com deficiência estão chegando sem preparo algum para trabalhar. Não percebem que suas empresas estão fazendo parte de um momento histórico e que estão em plena transformação os conceitos e as posturas que tratavam do tema da deficiência na sociedade.

Se há um investimento necessário para que uma parcela deste segmento possa ser incluída com maior qualificação profissional, também há efeitos produzidos pelo círculo virtuoso que interessa a todos: aprendizados que a exclusão ou apartação não permitiam que fossem realizados; oportunidade de todos de rever posturas; oportunidades para tornar suas empresas mais acessíveis a todos e, do ponto de vista econômico, a ampliação do mercado interno.

Hoje ainda temos menos de quinhentas mil pessoas inseridas no mercado de trabalho por meio da legislação de cotas. Estou sendo generoso neste número para arredondar. Imagine quando tivermos dez milhões ou mais de pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho, ou seja, ganhando um salário, protegidas de muitas maneiras (fundo de garantia, plano de saúde etc.), deixando a informalidade com seus baixos salários, tendo oportunidades de se desenvolver na carreira, de constituir e manter família, de consumir melhor, de tirar férias, viajar, de estudar mais, de qualificar a oferta e aquecer mercados de produtos, serviços e atendimento que as considerem? Basta pensar sobre onde estão hoje e em quais condições para ver a importância deste salto qualitativo para elas e para toda a sociedade.

Em tempos de crise ou de prosperidade, nenhuma empresa pode desconsiderar o mercado interno. Tudo que coloca barreiras para o desenvolvimento do mercado interno não faz muito sentido, gera custos imensos para as empresas e para a sociedade. Tudo que contribui para o enfrentamento e erradicação de barreiras pode gerar ganhos significativos para todos, não apenas financeiros, lucro, mas também no campo dos aprendizados para sermos uma sociedade melhor, mais inclusiva, respeitosa e sustentável.

Assim, empresas que choram por terem que investir na inclusão de pessoas com deficiência, deveriam se lembrar de que estão participando ativamente na construção deste circulo virtuoso no qual seu funcionário passa a ser também seu consumidor ou cliente, assim como é cliente de outras empresas, aquecendo a economia de muitas maneiras. Há quem pense tão pequeno e que é tão imediatista que, mesmo diante das evidências, prefere reclamar e delegar a prazerosa tarefa de investir em seu próprio mercado interno para o Estado, para as ONGs, para as famílias ou para as próprias pessoas com deficiência.

Felizmente há sinais de sanidade no mundo empresarial atual e para percebê-los basta prestar atenção nas empresas que cumpriram a legislação de cotas. O que as motiva, como conseguiram realizar o que outras dizem ser impossível, como lidam com a diversidade e que impactos a inclusão está gerando na empresa? É um assunto que eu gostaria de ver tratado em alguma revista que fala do mundo empresarial, negócios, economia. Quem sabe este artigo não vai parar dentro de uma delas?

Artigo publicado originalmente no Blog do Guilherme Bara em 29 de maio de 2012 - http://www.blogdoguilhermebara.com.br/por-onde-se-deve-comecar-a-inclusao/

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Guilherme Bara, militante político, executivo em multinacional, cego, ativista na área de direitos da pessoa com deficiência, escreveu um artigo em seu blog sobre como todos ganham com a legislação de cotas para profissionais com deficiência. Vale a pena ler. Como eu disse lá no blog do parceiro, assino embaixo!

http://www.blogdoguilhermebara.com.br/o-beneficio-da-lei-de-cotas/#comment-361

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Diversidade Cultural - 21 de maio de 2012

No Dia Mundial da Diversidade Cultural, instituído pela ONU, tradicionalmente a representante mundial da UNESCO envia uma mensagem falando do tema no contexto atual. Segue abaixo a mensagem de hoje, 21 de maio de 2012. Também sugiro a leitura do relatório divulgado em 2009: http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001847/184755POR.pdf . Boas leituras! Reinaldo Bulgarelli

Do site da UNESCO (18.05.2012 - UNESCO Office in Brasilia):
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/message_from_ms_irina_bokova_director_general_of_unesco_on_the_occasion_of_world_day_for_cultural_diversity_for_dialogue_and_development_unesco_21_may_2012/

"Mensagem do Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e para o Desenvolvimento – 21 de maio de 2012

Mensagem da diretora-geral da UNESCO, Irina Bokova, por ocasião do Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e para o Desenvolvimento – 21 de maio de 2012
 
Cultura é o que somos. Encarna as nossas identidades e os nossos sonhos para o futuro. As culturas estão mutuamente sustentando e contribuindo para o aumento da riqueza da humanidade e da produtividade. Essa diversidade é uma fonte para a renovação das ideias e das sociedades, com um grande potencial para o diálogo, o crescimento e a participação social.

Ao proteger e promover a cultura, mantemos a diversidade. As novas tecnologias e a rápida globalização estão aproximando as culturas como nunca antes. A diversidade cultural aparece com destaque a cada dia em novas mídias e telas das nossas sociedades mistas. Tal entrelaçamento traz enriquecimento, mas pode também alimentar mal-entendidos e ser usado como uma desculpa para rompimentos. Precisamos equipar as novas gerações com fortes competências interculturais para que elas possam aprender a viver juntos e aproveitar ao máximo a profusão de culturas.

O principal objetivo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) é proporcionar os meios para libertar todo o potencial da diversidade cultural. Convenções culturais da UNESCO mostram que a cultura pode forjar laços entre o passado e o futuro, ao proteger o patrimônio tangível e imaterial do mundo e promover a diversidade das expressões culturais. A cultura nos ajuda a superar conflitos ao elucidar os fatores que nos unem. Estimula a criatividade que impulsiona a inovação e o desenvolvimento. A Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, adotada em 2001, afirma que "a diversidade cultural é tão necessária para a humanidade como a biodiversidade para a natureza”. A declaração estabeleceu os fundamentos para a gestão mundial inclusiva capaz de assegurar a observância dos direitos humanos em todo o mundo.

Cultura e criatividade são recursos renováveis por excelência. Agora que os Estados estão à procura de meios essenciais de crescimento e desenvolvimento sustentável, eu convoco os responsáveis políticos e agentes interessados da sociedade civil a reconhecer este papel da diversidade cultural e integrá-lo a políticas públicas. Nosso ambiente natural tem sido enfraquecido: deixe-nos encontrar formas e meios de otimizar o nosso ambiente cultural.

Devido ao seu potencial econômico, as indústrias criativas são motores do crescimento verde. Além disso, a experiência mostra que os modelos de desenvolvimento eficientes são aqueles que realmente integram especificidades culturais locais, assim provocando o envolvimento das comunidades na causa. Os preparativos estão em curso nas Nações Unidas para definir a nova agenda pós-2015 de cooperação internacional, e a cultura deve, absolutamente, ser incluída como um dos pilares de qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável, pois permitirá que os povos dialoguem entre si e se apropriem do futuro."

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Mulheres e empresas


Mulheres e empresas: quanto mais próximo da vida, mais sustentável
Reinaldo Bulgarelli, 18 de maio de 2012

Investir na promoção da equidade de gênero dá lucro?

Há clientes que me pedem relatórios sobre a situação atual da mulher na sociedade brasileira. São vários e adoro fazer estes estudos. Às vezes me contratam para fazer pesquisas ou levantamento junto a outras empresas para saber o que fazem e como fazem para ter mais mulheres na base ou no topo das empresas, nos chamados cargos de liderança.

Difícil e incômodo mesmo é quando me pedem para mostrar pesquisas que provem que investir em mulher dá lucro. Querem dados que demonstrem o quanto as empresas ganharam ao investir nelas. Bom, até temos dados, mas a pergunta revela um ou vários equívocos. Se é preciso mostrar que fazer a coisa certa – não discriminar 51% da população do país – dá lucro, tem algo de errado na pergunta ou em quem perguntou.

Eu desconfio que nossos executivos não são assim tão mesquinhos e medíocres. Podem ser ignorantes, no sentido de não saber o que e como fazer para promover equidade de gênero. Desconfio é que as equipes técnicas, pressionadas pelo ambiente onde tudo deve se transformar em lucro com redução de despesas, inserem todos os temas nesta perspectiva.

Minha experiência com os presidentes ou altos executivos das empresas é de conversas de alto nível e com o tema da diversidade sendo discutido a partir da identidade da organização, ou seja, seus valores, missão e visão, estratégias atuais e futuras. Não deixam evidente para todos os seus funcionários o que pensam sobre suas próprias empresas? Pode ser ou é válida também a máxima de que alguns funcionários querem ser "mais católicos que o Papa". Na impossibilidade de saberem transformar identidade da organização em práticas que efetivamente adicionem valor, buscam respostas mágicas na lógica cartesiana que a tudo faz caber nas planilhas de Excel.

Mas, como o mundo é grande e há de tudo dentro dele, fico imaginando que haja também executivos que mandam o técnico de volta para seu devido lugar se não provarem que investir em mulheres ou na equidade de gênero ou na valorização da diversidade de gênero, como queiram, confere lucros para as empresas. Sim, há como provar isso e esses executivos deveriam ler, por exemplo, o que os donos de suas empresas estão discutindo em Davos, no Fórum Econômico Mundial. Só pra citar um dos exemplos, esse fórum de líderes mundiais tem produzido um relatório que trata exatamente do tema e seus impactos econômicos.[i]

O Banco Mundial, para permanecer no campo dos grandes fóruns ou organizações internacionais, também produz documentos, estudos e pesquisas neste sentido.[ii] Há livros que tratam do assunto e esmiúçam diferentes aspectos: as mulheres consumidoras, a decisão de compra, a influência delas nos produtos para homens e por aí vai. Nem estou entrando na discussão sobre consumo consciente porque acho covardia definir a mulher como salvadora do planeta.

Elas são fonte de esperanças por vários motivos e devem ser tão responsabilizadas quanto os homens na busca de soluções sustentáveis para todos, mas delegar somente a elas essa tarefa não parece justo e nem producente. Isto é assunto para outro artigo e vamos ficar agora nesta questão da sustentabilidade no que diz respeito ao papel das empresas.

Quanto mais próxima da vida, mais sustentável é a empresa

Defendo a ideia de que quanto mais uma empresa se aproxima da realidade, da vida como ela é, enfrentando barreiras e erradicando práticas de discriminação, mais próxima estará do lucro e não será um lucro qualquer.

Empresas que gastam muita energia para afastar as mulheres de seus quadros de colaboradores, criando artifícios de toda ordem, afastam as mulheres também de seus “quadros” de clientes, de consumidores, bem como do planejamento de seus produtos e serviços, de seu planejamento estratégico, de sua comunicação ou marketing. Estão, evidentemente, gastando dinheiro, deixando de ganhar dinheiro e provocando estragos financeiros, sociais e culturais enormes na sociedade.

Empresas que se aproximam da realidade estão fazendo a coisa certa. É saudável, do ponto de vista da saúde mental, lidar com a realidade, planejar com base nela, considerar a realidade nas leituras de cenário atual e futuro. Empresas deveriam viver da realidade. É nela que operam suas atividades e que expressam sua missão, seu propósito, sua maneira de ser e de se fortalecer como organização. Quanto mais distantes da realidade, menos chances uma empresa tem de se desenvolver e até mesmo de sobreviver.

O que faz com que uma empresa não lide bem com 51% da população do país? As ideologias, claro, e, no caso, estamos falando do machismo. Empresas desatentas ao fato de que há machismo no mundo podem se deixar contaminar pelas suas armadilhas em seus processos, sistemas, estruturas, enfim, em tudo. As desatentas podem até mesmo buscar maior participação das mulheres, mas sem discutir e enfrentar o machismo, parecem patinar na mesmice e até fortalecem as estruturas que geram exclusão.

As empresas MMM gastam muita energia, tempo e dinheiro para afastar as mulheres

É o que produz as organizações que chamo de MMM – masculinas, masculinizadas e masculinizantes. Do recrutamento ao desligamento, o ciclo de vida das mulheres na organização MMM é caracterizado pelo imenso gasto de energia para fazer com que elas sejam menos, possam menos, digam menos, saibam menos sobre tudo que é importante e possam significar algum tipo de poder. Querem que elas se dediquem apenas a servir, cuidar, manter, ou seja, tudo que é papel da mulher no mundo, dentro desta visão machista.

Interessante colocar as coisas desta forma. Eu mesmo investia muito em convencer as empresas sobre a importância de investir em processos inclusivos que promovessem equidade de gênero e bons resultados para todos. Eu pedia para criarem essa energia para fazer avançar os processos de promoção da equidade de gênero.

Logo percebi que não se tratava apenas disso. Identifiquei que há barreiras colocadas em toda a trajetória das mulheres para impedir que elas sejam bem-sucedidas na tarefa humana de desenvolver plenamente seu potencial. Além de investir na inclusão, as empresas devem parar de investir na exclusão, gastando energia, tempo e dinheiro com isso, recursos que preciosos para o sucesso dos negócios. Trata-se, portanto, de parar de usar tanta energia para se auto boicotar, além de boicotar a mulher, para usar essa energia a favor da mulher e da organização.

Imagine quanto custa ficar inventando atributos que desqualificam as mulheres – todas elas – para justificar sua ausência e para mantê-las longe dos espaços mais qualificados na sociedade e das instâncias de poder? Imagine quanto custa criar barreiras nos processos de seleção para que passem apenas os homens e para que se prove depois que a demografia interna masculina é pura coincidência? Imagine quanto custa ficar matutando estratégias para desqualificar tudo que é feminino e para construir análises de desempenho que reconheçam mérito apenas no que é do mundo masculino? Não é ironia. Basta ver o quanto de energia é dispendida para criar problemas com a gravidez. Isto sim traz prejuízos e não o curto período que a mulher tem de licença para cuidar dos filhos.

É um mito, como mostra um levantamento realizado pela OIT, atribuir tantos prejuízos à mulher. .[iii][i] Além disso, há levantamentos que mostram que são os homens que passam mais tempo de licença em função de um estilo de vida relacionado ao machismo que os coloca em situações de risco – esportes violentos, direção perigosa de veículos e falta de cuidado com a própria saúde, para citar alguns exemplos que geram afastamentos dos homens. Empresas que criam caso com a gravidez e o tempo de licença deveriam fazer esse levantamento para saber, considerando a proporcionalidade, quantos dias por ano cada um passa de licença. Caso sua empresa descubra que os homens sejam os mais ausentes do trabalho, nem por isso vamos defender que sejam preteridos nos processos de seleção, como fazem como as mulheres. Não é correto.

Que modelo de gestão é esse que não tem competência para lidar com a vida?

Há um investimento imenso para contrariar o que a vida está dizendo: as mulheres engravidam, a gravidez é uma das possibilidades da vida de uma mulher, assim como faz parte da vida de homens e mulheres passar por momentos nos quais possam pesar mais os aspectos pessoais do que os profissionais, sem que isso signifique o fim do mundo ou a falência das empresas. Que tipo de gestão é esse que não tem competência para lidar com a vida?

Imagine também, de maneira complementar, quanto de recurso é gasto para afastar os homens da vida como ela é, do cuidado de casa, dos filhos, dos parentes, das atividades relacionadas a uma existência mais saudável e equilibrada em termos de dedicação aos vários aspectos que a compõem? A vida convida para que todos, homens e mulheres, cuidem das atividades produtivas e reprodutivas, para usar o jargão que trata da inserção no mundo do trabalho, o produtivo, e da inserção no mundo da casa, aquele lugar onde você cuida de si mesmo, prepara seu alimento, lava sua roupa, cuida da limpeza, enfim, coisas deste tipo que mantêm e reproduzem a vida.

Quanto custa ficar inventando atributos para descrever um homem tão idealizado que nenhum mortal do mundo masculino consegue atingi-lo? O machismo é opressor também para os homens e não me esconjurem por dizer isso, por favor. O machismo torna realidade o que não é real. Ninguém vive apenas para o trabalho e a carreira, não é natural ou genético que eles nasceram para mandar e elas para obedecer, mas uma invenção que evidentemente atrapalha a todos. É o machismo introjetado por homens e mulheres produzindo desqualificação de tudo que é feminino, delegado ou atribuído às mulheres e fazendo com que os próprios homens acreditem que o bom é o trabalho, o papel de provedor, que o péssimo é cuidar da casa, dos filhos, da limpeza, da vida como ela é.

Homens e seus privilégios insustentáveis

Dirão alguns que os homens adoram tudo isso e que são eles que mantêm esse sistema que transforma diferenças em motivo para desigualdades, com suas sequelas para a vida em sociedade. Acredito que nos acomodamos e adoramos ter tantos privilégios, a ponto de resistir bravamente contra os avanços das mulheres em áreas que reservamos para nós ao longo da história. Vejo essa resistência nos workshops que realizo nas empresas e percebo que os homens estão sim cada vez mais raivosos e ardilosos para fazer a desqualificação da mulher, justificar sua ausência e a presença deles nos melhores lugares. Os argumentos, quanto mais raivosos e prontos, menos consistentes estão e, portanto, menos eficazes também.

Mas, os estragos são grandes e apenas se explicam pela ideologia machista caminhando pelas cabeças de homens e mulheres para produzir essas desigualdades que, no fundo, não interessam a ninguém. É privilégio ter poder à custa do afastamento forçado das mulheres desses espaços de decisão e é privilégio conseguir se beneficiar de tudo que o poder traz consigo à custa de uma opressão de gênero perversa.

Contudo, é privilégio conquistado também à custa de mesquinhez, de mentira e com efeitos colaterais destrutivos. É privilégio à custa de uma idealização do que é ser homem, mas que a vida real não demonstra existir ou ser possível. É privilégio que paga um preço alto ao gastar tantos recursos preciosos para afastar os homens do que eles também gostariam de ser e fazer, mas devem acreditar que são e fazem outras coisas, que nasceram para isso e que a genética os fez executivos.

Tudo que afasta uma empresa da vida a torna menos eficiente

Enfim, empresas que se organizam em torno do machismo e não da vida, tendem a ter problemas porque a vida flui para outras direções. Tudo que afasta uma organização da vida a torna mesmo eficiente e compromete seus resultados. Causa distrações fatais, prejudica a qualidade do planejamento estratégico que deve aproximá-la da realidade para construir soluções interessantes e oferece-las para todos que possam devolver para a empresa em forma de lucro ou fortalecimento organizacional.

Empresas que flutuam fora de seu tempo e lugar, passeando nas asas de uma cultura voltada para a morte, imaginam que podem explorar o planeta indefinidamente, que não há limites para o crescimento. Perto da realização da Rio+20, a revista Exame estampa matéria em seu site dizendo que em 2050 a humanidade irá precisar de três planetas para se manter ou manter seu padrão de consumo, atrelado a um padrão de felicidade que precisa ser revisto urgentemente[iv][ii]. É uma das faces deste tipo de organização empresarial que também planeja sua atividade desprezando 51% da população.

Felizmente há movimentos empresariais contrários a esta mentalidade e que busca encontrar soluções concretas para nosso tempo e lugar, para a realidade, para a vida como ela é. Vale a pena, neste sentido, conhecer o movimento Mulher 360º, uma tentativa de olhar os direitos humanos das mulheres pelo prisma do desenvolvimento econômico[v][iii].

É algo bem distante da mesquinhez de lucro imediato que se possa obter, por exemplo, com o respeito às pessoas e outros valores que já deveriam estar na constituição ou motivo de existência de qualquer organização.

“Quanto eu vou ganhar se deixar de discriminar a mulher, se retirar as barreiras do caminho delas e corrigir a situação?”, é pergunta que nasce torta, portanto, a resposta nunca irá agradar a quem perguntou, ainda mais se falar da vida como ela é e das coisas que nem deveria estar em discussão. A gestão deve dar conta da vida ou a empresa se torna insustentável. Alguém ainda tem dúvidas?



[iii][i]Estudo da OIT (Custos do Trabalho de Homens e Mulheres na América Latina: Mitos e Realidade, de Laís Abramo, atual diretora do escritório da OIT no Brasil), concluiu pela necessidade de promover maior equilíbrio entre trabalhadores de ambos os sexos. Diz dra. Laís, em entrevista à Revista BOVESPA: “De fato, as mulheres estão entrando no mercado de trabalho com força cada vez maior. Mas o grande problema é que ainda são vistas como as principais responsáveis pelos cuidados com a casa e os filhos. Ainda não aconteceu uma divisão mais equilibrada de responsabilidades familiares entre homens e mulheres. Apesar de ingressar no mercado de trabalho, a mulher continua sendo responsável pela administração da casa, dos afetos, dos cuidados domésticos. Os homens ainda não assumiram seu papel nesta esfera. É importante que isso seja repactuado, que a empresa seja um ambiente mais favorável para esta articulação entre o trabalho e as outras dimensões da vida e haja políticas de reconciliação entre o trabalho e a vida familiar que permitam tanto ao homem quanto à mulher uma vida mais equilibrada. Existe uma visão de que o custo de contratação das mulheres seria mais elevado, o que justificaria o fato de seus salários serem mais baixos. Na verdade, isto é um mito: quem paga as despesas com licença-maternidade, e a maioria dos outros custos ligados à reprodução não é a empresa, mas a Previdência. Pesquisa feita em cinco países da América Latina constatou que o custo adicional da contratação das mulheres é irrelevante e não pode justificar os salários menores.”
[iv][ii]EXAME - Ambiente | 16/05/2012 – “Humanidade precisará de ‘três planetas’ em 2050 - http://exame.abril.com.br/economia/meio-ambiente-e-energia/sustentabilidade/noticias/humanidade-precisara-de-tres-planetas-em-2050
[v][iii]Mulher 360 – Movimento Empresarial pelo Desenvolvimento Econômico da Mulher - http://movimentomulher360.com.br/