segunda-feira, 21 de maio de 2012

Diversidade Cultural - 21 de maio de 2012

No Dia Mundial da Diversidade Cultural, instituído pela ONU, tradicionalmente a representante mundial da UNESCO envia uma mensagem falando do tema no contexto atual. Segue abaixo a mensagem de hoje, 21 de maio de 2012. Também sugiro a leitura do relatório divulgado em 2009: http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001847/184755POR.pdf . Boas leituras! Reinaldo Bulgarelli

Do site da UNESCO (18.05.2012 - UNESCO Office in Brasilia):
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/message_from_ms_irina_bokova_director_general_of_unesco_on_the_occasion_of_world_day_for_cultural_diversity_for_dialogue_and_development_unesco_21_may_2012/

"Mensagem do Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e para o Desenvolvimento – 21 de maio de 2012

Mensagem da diretora-geral da UNESCO, Irina Bokova, por ocasião do Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e para o Desenvolvimento – 21 de maio de 2012
 
Cultura é o que somos. Encarna as nossas identidades e os nossos sonhos para o futuro. As culturas estão mutuamente sustentando e contribuindo para o aumento da riqueza da humanidade e da produtividade. Essa diversidade é uma fonte para a renovação das ideias e das sociedades, com um grande potencial para o diálogo, o crescimento e a participação social.

Ao proteger e promover a cultura, mantemos a diversidade. As novas tecnologias e a rápida globalização estão aproximando as culturas como nunca antes. A diversidade cultural aparece com destaque a cada dia em novas mídias e telas das nossas sociedades mistas. Tal entrelaçamento traz enriquecimento, mas pode também alimentar mal-entendidos e ser usado como uma desculpa para rompimentos. Precisamos equipar as novas gerações com fortes competências interculturais para que elas possam aprender a viver juntos e aproveitar ao máximo a profusão de culturas.

O principal objetivo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) é proporcionar os meios para libertar todo o potencial da diversidade cultural. Convenções culturais da UNESCO mostram que a cultura pode forjar laços entre o passado e o futuro, ao proteger o patrimônio tangível e imaterial do mundo e promover a diversidade das expressões culturais. A cultura nos ajuda a superar conflitos ao elucidar os fatores que nos unem. Estimula a criatividade que impulsiona a inovação e o desenvolvimento. A Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, adotada em 2001, afirma que "a diversidade cultural é tão necessária para a humanidade como a biodiversidade para a natureza”. A declaração estabeleceu os fundamentos para a gestão mundial inclusiva capaz de assegurar a observância dos direitos humanos em todo o mundo.

Cultura e criatividade são recursos renováveis por excelência. Agora que os Estados estão à procura de meios essenciais de crescimento e desenvolvimento sustentável, eu convoco os responsáveis políticos e agentes interessados da sociedade civil a reconhecer este papel da diversidade cultural e integrá-lo a políticas públicas. Nosso ambiente natural tem sido enfraquecido: deixe-nos encontrar formas e meios de otimizar o nosso ambiente cultural.

Devido ao seu potencial econômico, as indústrias criativas são motores do crescimento verde. Além disso, a experiência mostra que os modelos de desenvolvimento eficientes são aqueles que realmente integram especificidades culturais locais, assim provocando o envolvimento das comunidades na causa. Os preparativos estão em curso nas Nações Unidas para definir a nova agenda pós-2015 de cooperação internacional, e a cultura deve, absolutamente, ser incluída como um dos pilares de qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável, pois permitirá que os povos dialoguem entre si e se apropriem do futuro."

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Mulheres e empresas


Mulheres e empresas: quanto mais próximo da vida, mais sustentável
Reinaldo Bulgarelli, 18 de maio de 2012

Investir na promoção da equidade de gênero dá lucro?

Há clientes que me pedem relatórios sobre a situação atual da mulher na sociedade brasileira. São vários e adoro fazer estes estudos. Às vezes me contratam para fazer pesquisas ou levantamento junto a outras empresas para saber o que fazem e como fazem para ter mais mulheres na base ou no topo das empresas, nos chamados cargos de liderança.

Difícil e incômodo mesmo é quando me pedem para mostrar pesquisas que provem que investir em mulher dá lucro. Querem dados que demonstrem o quanto as empresas ganharam ao investir nelas. Bom, até temos dados, mas a pergunta revela um ou vários equívocos. Se é preciso mostrar que fazer a coisa certa – não discriminar 51% da população do país – dá lucro, tem algo de errado na pergunta ou em quem perguntou.

Eu desconfio que nossos executivos não são assim tão mesquinhos e medíocres. Podem ser ignorantes, no sentido de não saber o que e como fazer para promover equidade de gênero. Desconfio é que as equipes técnicas, pressionadas pelo ambiente onde tudo deve se transformar em lucro com redução de despesas, inserem todos os temas nesta perspectiva.

Minha experiência com os presidentes ou altos executivos das empresas é de conversas de alto nível e com o tema da diversidade sendo discutido a partir da identidade da organização, ou seja, seus valores, missão e visão, estratégias atuais e futuras. Não deixam evidente para todos os seus funcionários o que pensam sobre suas próprias empresas? Pode ser ou é válida também a máxima de que alguns funcionários querem ser "mais católicos que o Papa". Na impossibilidade de saberem transformar identidade da organização em práticas que efetivamente adicionem valor, buscam respostas mágicas na lógica cartesiana que a tudo faz caber nas planilhas de Excel.

Mas, como o mundo é grande e há de tudo dentro dele, fico imaginando que haja também executivos que mandam o técnico de volta para seu devido lugar se não provarem que investir em mulheres ou na equidade de gênero ou na valorização da diversidade de gênero, como queiram, confere lucros para as empresas. Sim, há como provar isso e esses executivos deveriam ler, por exemplo, o que os donos de suas empresas estão discutindo em Davos, no Fórum Econômico Mundial. Só pra citar um dos exemplos, esse fórum de líderes mundiais tem produzido um relatório que trata exatamente do tema e seus impactos econômicos.[i]

O Banco Mundial, para permanecer no campo dos grandes fóruns ou organizações internacionais, também produz documentos, estudos e pesquisas neste sentido.[ii] Há livros que tratam do assunto e esmiúçam diferentes aspectos: as mulheres consumidoras, a decisão de compra, a influência delas nos produtos para homens e por aí vai. Nem estou entrando na discussão sobre consumo consciente porque acho covardia definir a mulher como salvadora do planeta.

Elas são fonte de esperanças por vários motivos e devem ser tão responsabilizadas quanto os homens na busca de soluções sustentáveis para todos, mas delegar somente a elas essa tarefa não parece justo e nem producente. Isto é assunto para outro artigo e vamos ficar agora nesta questão da sustentabilidade no que diz respeito ao papel das empresas.

Quanto mais próxima da vida, mais sustentável é a empresa

Defendo a ideia de que quanto mais uma empresa se aproxima da realidade, da vida como ela é, enfrentando barreiras e erradicando práticas de discriminação, mais próxima estará do lucro e não será um lucro qualquer.

Empresas que gastam muita energia para afastar as mulheres de seus quadros de colaboradores, criando artifícios de toda ordem, afastam as mulheres também de seus “quadros” de clientes, de consumidores, bem como do planejamento de seus produtos e serviços, de seu planejamento estratégico, de sua comunicação ou marketing. Estão, evidentemente, gastando dinheiro, deixando de ganhar dinheiro e provocando estragos financeiros, sociais e culturais enormes na sociedade.

Empresas que se aproximam da realidade estão fazendo a coisa certa. É saudável, do ponto de vista da saúde mental, lidar com a realidade, planejar com base nela, considerar a realidade nas leituras de cenário atual e futuro. Empresas deveriam viver da realidade. É nela que operam suas atividades e que expressam sua missão, seu propósito, sua maneira de ser e de se fortalecer como organização. Quanto mais distantes da realidade, menos chances uma empresa tem de se desenvolver e até mesmo de sobreviver.

O que faz com que uma empresa não lide bem com 51% da população do país? As ideologias, claro, e, no caso, estamos falando do machismo. Empresas desatentas ao fato de que há machismo no mundo podem se deixar contaminar pelas suas armadilhas em seus processos, sistemas, estruturas, enfim, em tudo. As desatentas podem até mesmo buscar maior participação das mulheres, mas sem discutir e enfrentar o machismo, parecem patinar na mesmice e até fortalecem as estruturas que geram exclusão.

As empresas MMM gastam muita energia, tempo e dinheiro para afastar as mulheres

É o que produz as organizações que chamo de MMM – masculinas, masculinizadas e masculinizantes. Do recrutamento ao desligamento, o ciclo de vida das mulheres na organização MMM é caracterizado pelo imenso gasto de energia para fazer com que elas sejam menos, possam menos, digam menos, saibam menos sobre tudo que é importante e possam significar algum tipo de poder. Querem que elas se dediquem apenas a servir, cuidar, manter, ou seja, tudo que é papel da mulher no mundo, dentro desta visão machista.

Interessante colocar as coisas desta forma. Eu mesmo investia muito em convencer as empresas sobre a importância de investir em processos inclusivos que promovessem equidade de gênero e bons resultados para todos. Eu pedia para criarem essa energia para fazer avançar os processos de promoção da equidade de gênero.

Logo percebi que não se tratava apenas disso. Identifiquei que há barreiras colocadas em toda a trajetória das mulheres para impedir que elas sejam bem-sucedidas na tarefa humana de desenvolver plenamente seu potencial. Além de investir na inclusão, as empresas devem parar de investir na exclusão, gastando energia, tempo e dinheiro com isso, recursos que preciosos para o sucesso dos negócios. Trata-se, portanto, de parar de usar tanta energia para se auto boicotar, além de boicotar a mulher, para usar essa energia a favor da mulher e da organização.

Imagine quanto custa ficar inventando atributos que desqualificam as mulheres – todas elas – para justificar sua ausência e para mantê-las longe dos espaços mais qualificados na sociedade e das instâncias de poder? Imagine quanto custa criar barreiras nos processos de seleção para que passem apenas os homens e para que se prove depois que a demografia interna masculina é pura coincidência? Imagine quanto custa ficar matutando estratégias para desqualificar tudo que é feminino e para construir análises de desempenho que reconheçam mérito apenas no que é do mundo masculino? Não é ironia. Basta ver o quanto de energia é dispendida para criar problemas com a gravidez. Isto sim traz prejuízos e não o curto período que a mulher tem de licença para cuidar dos filhos.

É um mito, como mostra um levantamento realizado pela OIT, atribuir tantos prejuízos à mulher. .[iii][i] Além disso, há levantamentos que mostram que são os homens que passam mais tempo de licença em função de um estilo de vida relacionado ao machismo que os coloca em situações de risco – esportes violentos, direção perigosa de veículos e falta de cuidado com a própria saúde, para citar alguns exemplos que geram afastamentos dos homens. Empresas que criam caso com a gravidez e o tempo de licença deveriam fazer esse levantamento para saber, considerando a proporcionalidade, quantos dias por ano cada um passa de licença. Caso sua empresa descubra que os homens sejam os mais ausentes do trabalho, nem por isso vamos defender que sejam preteridos nos processos de seleção, como fazem como as mulheres. Não é correto.

Que modelo de gestão é esse que não tem competência para lidar com a vida?

Há um investimento imenso para contrariar o que a vida está dizendo: as mulheres engravidam, a gravidez é uma das possibilidades da vida de uma mulher, assim como faz parte da vida de homens e mulheres passar por momentos nos quais possam pesar mais os aspectos pessoais do que os profissionais, sem que isso signifique o fim do mundo ou a falência das empresas. Que tipo de gestão é esse que não tem competência para lidar com a vida?

Imagine também, de maneira complementar, quanto de recurso é gasto para afastar os homens da vida como ela é, do cuidado de casa, dos filhos, dos parentes, das atividades relacionadas a uma existência mais saudável e equilibrada em termos de dedicação aos vários aspectos que a compõem? A vida convida para que todos, homens e mulheres, cuidem das atividades produtivas e reprodutivas, para usar o jargão que trata da inserção no mundo do trabalho, o produtivo, e da inserção no mundo da casa, aquele lugar onde você cuida de si mesmo, prepara seu alimento, lava sua roupa, cuida da limpeza, enfim, coisas deste tipo que mantêm e reproduzem a vida.

Quanto custa ficar inventando atributos para descrever um homem tão idealizado que nenhum mortal do mundo masculino consegue atingi-lo? O machismo é opressor também para os homens e não me esconjurem por dizer isso, por favor. O machismo torna realidade o que não é real. Ninguém vive apenas para o trabalho e a carreira, não é natural ou genético que eles nasceram para mandar e elas para obedecer, mas uma invenção que evidentemente atrapalha a todos. É o machismo introjetado por homens e mulheres produzindo desqualificação de tudo que é feminino, delegado ou atribuído às mulheres e fazendo com que os próprios homens acreditem que o bom é o trabalho, o papel de provedor, que o péssimo é cuidar da casa, dos filhos, da limpeza, da vida como ela é.

Homens e seus privilégios insustentáveis

Dirão alguns que os homens adoram tudo isso e que são eles que mantêm esse sistema que transforma diferenças em motivo para desigualdades, com suas sequelas para a vida em sociedade. Acredito que nos acomodamos e adoramos ter tantos privilégios, a ponto de resistir bravamente contra os avanços das mulheres em áreas que reservamos para nós ao longo da história. Vejo essa resistência nos workshops que realizo nas empresas e percebo que os homens estão sim cada vez mais raivosos e ardilosos para fazer a desqualificação da mulher, justificar sua ausência e a presença deles nos melhores lugares. Os argumentos, quanto mais raivosos e prontos, menos consistentes estão e, portanto, menos eficazes também.

Mas, os estragos são grandes e apenas se explicam pela ideologia machista caminhando pelas cabeças de homens e mulheres para produzir essas desigualdades que, no fundo, não interessam a ninguém. É privilégio ter poder à custa do afastamento forçado das mulheres desses espaços de decisão e é privilégio conseguir se beneficiar de tudo que o poder traz consigo à custa de uma opressão de gênero perversa.

Contudo, é privilégio conquistado também à custa de mesquinhez, de mentira e com efeitos colaterais destrutivos. É privilégio à custa de uma idealização do que é ser homem, mas que a vida real não demonstra existir ou ser possível. É privilégio que paga um preço alto ao gastar tantos recursos preciosos para afastar os homens do que eles também gostariam de ser e fazer, mas devem acreditar que são e fazem outras coisas, que nasceram para isso e que a genética os fez executivos.

Tudo que afasta uma empresa da vida a torna menos eficiente

Enfim, empresas que se organizam em torno do machismo e não da vida, tendem a ter problemas porque a vida flui para outras direções. Tudo que afasta uma organização da vida a torna mesmo eficiente e compromete seus resultados. Causa distrações fatais, prejudica a qualidade do planejamento estratégico que deve aproximá-la da realidade para construir soluções interessantes e oferece-las para todos que possam devolver para a empresa em forma de lucro ou fortalecimento organizacional.

Empresas que flutuam fora de seu tempo e lugar, passeando nas asas de uma cultura voltada para a morte, imaginam que podem explorar o planeta indefinidamente, que não há limites para o crescimento. Perto da realização da Rio+20, a revista Exame estampa matéria em seu site dizendo que em 2050 a humanidade irá precisar de três planetas para se manter ou manter seu padrão de consumo, atrelado a um padrão de felicidade que precisa ser revisto urgentemente[iv][ii]. É uma das faces deste tipo de organização empresarial que também planeja sua atividade desprezando 51% da população.

Felizmente há movimentos empresariais contrários a esta mentalidade e que busca encontrar soluções concretas para nosso tempo e lugar, para a realidade, para a vida como ela é. Vale a pena, neste sentido, conhecer o movimento Mulher 360º, uma tentativa de olhar os direitos humanos das mulheres pelo prisma do desenvolvimento econômico[v][iii].

É algo bem distante da mesquinhez de lucro imediato que se possa obter, por exemplo, com o respeito às pessoas e outros valores que já deveriam estar na constituição ou motivo de existência de qualquer organização.

“Quanto eu vou ganhar se deixar de discriminar a mulher, se retirar as barreiras do caminho delas e corrigir a situação?”, é pergunta que nasce torta, portanto, a resposta nunca irá agradar a quem perguntou, ainda mais se falar da vida como ela é e das coisas que nem deveria estar em discussão. A gestão deve dar conta da vida ou a empresa se torna insustentável. Alguém ainda tem dúvidas?



[iii][i]Estudo da OIT (Custos do Trabalho de Homens e Mulheres na América Latina: Mitos e Realidade, de Laís Abramo, atual diretora do escritório da OIT no Brasil), concluiu pela necessidade de promover maior equilíbrio entre trabalhadores de ambos os sexos. Diz dra. Laís, em entrevista à Revista BOVESPA: “De fato, as mulheres estão entrando no mercado de trabalho com força cada vez maior. Mas o grande problema é que ainda são vistas como as principais responsáveis pelos cuidados com a casa e os filhos. Ainda não aconteceu uma divisão mais equilibrada de responsabilidades familiares entre homens e mulheres. Apesar de ingressar no mercado de trabalho, a mulher continua sendo responsável pela administração da casa, dos afetos, dos cuidados domésticos. Os homens ainda não assumiram seu papel nesta esfera. É importante que isso seja repactuado, que a empresa seja um ambiente mais favorável para esta articulação entre o trabalho e as outras dimensões da vida e haja políticas de reconciliação entre o trabalho e a vida familiar que permitam tanto ao homem quanto à mulher uma vida mais equilibrada. Existe uma visão de que o custo de contratação das mulheres seria mais elevado, o que justificaria o fato de seus salários serem mais baixos. Na verdade, isto é um mito: quem paga as despesas com licença-maternidade, e a maioria dos outros custos ligados à reprodução não é a empresa, mas a Previdência. Pesquisa feita em cinco países da América Latina constatou que o custo adicional da contratação das mulheres é irrelevante e não pode justificar os salários menores.”
[iv][ii]EXAME - Ambiente | 16/05/2012 – “Humanidade precisará de ‘três planetas’ em 2050 - http://exame.abril.com.br/economia/meio-ambiente-e-energia/sustentabilidade/noticias/humanidade-precisara-de-tres-planetas-em-2050
[v][iii]Mulher 360 – Movimento Empresarial pelo Desenvolvimento Econômico da Mulher - http://movimentomulher360.com.br/

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Conhecer para amar ou amar para conhecer?

Imagem: dois adultos de costas um para o outro com bolsas canguru carregando cada qual sua criança, uma branca e outra negra, que ficam de frente uma para a outra e interagindo, contrastando com a indiferença dos adultos. 
Conhecer para amar ou amar para conhecer?

O Blog do Guilherme Bara está animado quanto à questão da diversidade. Mara Gabrilli e o próprio Guilherme estão nos oferecendo artigos que são gostosos de ler e que fazem pensar sobre a vida, sobretudo quando compartilham suas experiências e a condição de pessoa com deficiência. Ela é tetraplégica e ele é cego, duas características que os forçam a rejeitar o discurso fácil do “somos todos iguais” para fazer perceber que somos diferentes uns dos outros e, mais ainda, bem diferentes de um padrão dominante: homem, branco, loiro, sem deficiência, heterossexual, adulto, enfim, a cara do Homem Vitruviano ou do Brad Pitt.

A diversidade pode ser reduzida a essa conversa do “somos todos iguais” para sumir com nossas diferenças. Se estivermos falando da Declaração Universal dos Direitos Humanos como base ética para esta afirmação, cabe lembrar que ela existe exatamente para garantir a expressão de nossas características, de nossas singularidades, evitando que diferenças se transformem em motivo para a produção de desigualdades intoleráveis. Somos iguais na condição de membros da família humana, na condição de gente. Não é, contudo, afirmar que somos iguais como gente “apesar” ou “independente” de nossas características, mas considerando-as, respeitando e tendo essa diversidade como valor ou fonte de riqueza para a humanidade.

Porque implico tanto com o “somos todos iguais”? Não é pela afirmação em si, corretíssima, mas implico quando ela é utilizada para manter as coisas como estão e não como base ética que nos inspira a superar barreiras, a enfrentar preconceitos, a reparar o que foi produzido ao longo da história. Reparação é uma palavra que parece sumir imediatamente após a afirmação dos “somos todos iguais”, mas olhando em volta tudo sugere que precisamos de uma consciência crítica mais efetiva para transformar a afirmação da igualdade em patamar para o enfrentamento das desigualdades.

Sim, se somos todos iguais, como conviver com as disparidades entre homens e mulheres, brancos e negros, hetero e homossexuais, pessoas com e sem deficiência? A base para a realização de ações afirmativas ou de reparação está nesta maneira de considerar a igualdade. Mas, junto às medidas para reparar e promover efetiva igualdade entre os membros dessa grande e diversa família humana, está o desafio das relações de qualidade, da tolerância, do respeito, da construção de espaços onde nossa interação possa significar desenvolvimento de cada um e de todos. Se é importante afirmar nossas singularidades, também é importante não esquecer que o sentido maior disso é estarmos juntos, unidos, interagindo, se relacionando para enfrentarmos os desafios da vida e, no plano mais amplo, os desafios da sustentabilidade da vida no planeta.

Na igualdade dos discursos fáceis e falsos, a diferença desaparece e, ao desaparecer, não permite a interação, a convivência, a troca e o desenvolvimento das pessoas e das sociedades. É na convivência que nos expressamos e nos modificamos, que são gerados aprendizados essenciais para nossa transformação, invenção e reinvenção dos modos de ser e estar no mundo. Na convivência, tudo se transforma e nada fica como está. Cada encontro que realizamos com os outros, com suas características semelhantes e diversas das nossas, nos permite mudanças e ampliação de horizontes que na solidão não daríamos conta de realizar. A cada encontro, nesta interação complexa e dinâmica, deixamos de ser quem somos porque é o outro que me ajuda também a compreender quem sou e o que posso ser. Para o bem e para mal em termos do nosso desenvolvimento, podemos levar o outro dentro da gente a cada encontro que a vida oferece.

Sem reparação, sem que a gente construa espaços de convivência entre todos, como aqueles proporcionados, por exemplo, pela legislação de cotas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, não há encontro, não há aprendizado, só há discursos de que a igualdade é um dado e não um motivo para sairmos atrás de quem está faltando ou ficando do lado de fora.

Há quem critique as cotas porque elas ferem a igualdade, essa dos discursos fáceis e falsos. Há quem lamente precisarmos de cotas, mas que comemoram o que elas proporcionam: convivência na diversidade, a oportunidade de superar barreiras internas e externas. Com as práticas de reparação, quebra-se o circulo vicioso da exclusão e a convivência passa a dar o tom dos novos espaços existenciais que são criados. E o ser humano é bacana. Sempre aprende quando algo é significativo. A diversidade é significativa e muito mais rica e atraente que a monotonia dos discursos fáceis e falsos.

A diversidade é desafiadora, mas atraente, mesmo porque todo mundo experimenta “a dor e a delícia de ser o que é” nessas interações e não quer ver sua singularidade massacrada pela imposição de um padrão dominante que define que o normal é ter escadas onde poderia também haver rampas. Há quem diga que preconceito é uma dessas escadarias que a gente constrói na cabeça e que nos impede de interagir com outros, com a realidade, com as novidades e com a inovação.

Preconceito é conceito pré-concebido, um conhecimento sobre outros e situações que já temos antes mesmo de conhecer de verdade. E como fazemos para superar essa escadaria em nossa cabeça e incluir rampas, pontes que nos aproximem e não nos afastem uns dos outros? No meu livro “Diversos Somos Todos” eu pergunto se é preciso conhecer para amar ou amar para conhecer.

Acredito que podemos aprender a amar a vida, ter gosto pela diversidade, pela novidade, pelos outros que nem sequer imaginamos como são e do que gostam, o que fazem e o que propõem. Podemos desenvolver esse apreço antes de tudo, como postura de vida, para que cada encontro com os outros não seja apenas aquele momento formal de aprendizado que acontece numa sala de aula, mas num recreio divertido onde há o prazer do encontro, da convivência, de saber-se mais por se estar junto.

Artigo publicado originalmente no Blog do Guilherme Bara - http://www.blogdoguilhermebara.com.br/conhecer-para-amar-ou-amar-para-conhecer/