domingo, 9 de agosto de 2015

Valorização da diversidade e educação em organizações do século XXI



Valorização da diversidade e educação em organizações do século XXI


Reinaldo Bulgarelli

Txai Consultoria e Educação

23 de fevereiro de 2011



Um mundo com tantos desafios necessita de profissionais cada vez mais atentos às possibilidades que a conexão e a vida em rede possibilitam. É a colaboração em espaços virtuais ou presenciais que permite ampliar o conhecimento, criar e inovar na direção de um mundo mais sustentável.


A construção urgente de um mundo mais sustentável traz consigo o desafio de criarmos espaços criativos e inovadores para nossos negócios. A empresa não sobreviverá sem uma boa dose de ousadia em termos de inovação tecnológica e também cultural. Como estamos realizando ou vivenciando mudanças no nosso comportamento frente a esses desafios colocados por um mundo com 7 bilhões de pessoas e em evidente colapso? Como foi ser feliz nos anos 2000 e como serão nossos padrões de felicidade nos próximos anos?


Nem precisamos ir muito longe neste exercício porque é agora que precisamos encontrar soluções para que nossos produtos e serviços façam sentido para as pessoas, demonstrando compromisso com a vida e com sua felicidade. Quem irá encontrar essas soluções?


A melhor universidade do mundo não consegue sozinha formar uma pessoa para trabalhar na empresa que está na mira da agenda de sustentabilidade. A qualquer momento, seu produto e até mesmo sua existência podem ser questionados. Será mesmo que precisamos disso ou será mesmo que essa empresa fará falta?


De qual empresa estamos falando? De todas. A ideia de cadeia de valor e necessidade de realizar a atividade empresarial considerando muitos stakeholders ou públicos estratégicos envolve a todos numa rede de relações complexa e dinâmica, interdependente, orgânica, assim como é complexa e dinâmica a sociedade onde as empresas operaram. Nesta rede de relações há os olhos bem atentos de um consumidor que está mais rapidamente acolhendo o convite para repensar seus valores, sua maneira de consumir e de buscar felicidade.


Mais do que medir a velocidade desta mudança, é importante perceber uma tendência e reconhecer que a mudança é mais rápida do que a capacidade das empresas de dar conta dela. A produção de soluções tecnológicas que causem menos dano ao planeta e que acompanhem as mudanças de perspectiva, interesses, valores e de felicidade das pessoas que compram o que vendemos esbarra no conservadorismo de estruturas rígidas e processos que existem para congelar a empresa no tempo e não para fazer rodar pelas estradas de um mundo onde a mudança mudou, é intensa, profunda e ligeira. Até mesmo a definição da identidade da empresa parece mais um cativeiro, uma “identidade paralisante” do que um eixo em torno do qual os sujeitos da empresa podem ousar na interação com a realidade atual e futura.


Uma empresa hoje, mais que nunca, é feita de diferentes perspectivas unidas, articuladas e trabalhando juntas, não sem conflitos, tendo por base uma identidade organizacional sintonizada com o presente da humanidade e com seus anseios de uma vida melhor, digna, para todos em todos os lugares. Como encontrar a melhor forma de traduzir qualidade, preço e entrega em algo realmente sustentável para todos e não apenas para uma parte da cadeia de valor?


Diálogo, capacidade de incluir perspectivas variadas na tomada de decisões, de colaborar na diversidade de pensamentos, histórias de vida e de características humanas das mais variadas, parece ser uma resposta útil neste momento em que tendemos a acreditar mais e mais no individualismo ao invés de acreditarmos no indivíduo.


O que nos atrapalha? Gostamos de grifes nos diplomas, mais do que do conhecimento e de pessoas estudiosas. Gostamos de reunir times que falem muitas línguas, mesmo que nem sempre seja a língua do nosso tempo e lugar. Gostamos das aparências e dos seus significados, mais do que dos conteúdos, suas potencialidades e possibilidades. Gostar de aparências eleitas como normais, chiques, poderosas, confiáveis, nos leva a estereótipos, preconceitos e práticas de discriminação, quando precisamos é de abertura para enxergar o que está diante de nós. Gostamos de harmonia, mesmo que seja falsa, porque ela dá ideia de “ordem e progresso”, mesmo que transforme nossas empresas em um verdadeiro cemitério da criatividade humana.


Não é tarefa fácil encontrar meios de trabalhar juntos, colaborar e contribuir para o todo em estruturas rígidas, autoritárias, conservadoras, elitistas e avessas à diversidade. A diversidade que queremos muitas vezes passa por levíssimos e harmônicos tons de azul e não por um arco-íris cheio de cores contrastantes e conflituosas. Queremos uma diversidade que esteja sob o controle dos nossos processos, que não tenha nenhuma característica divergente do conjunto, da maioria, do padrão dominante. Queremos aprender na diversidade, mas desde que não nos custe conviver com mulheres, onde há apenas homens, com negros, onde há apenas brancos ou com pessoas com deficiência, onde há apenas pessoas sem deficiência. E por aí vai.


Não se trata de um vale-tudo, pois há a identidade organizacional com sua missão, visão e valores definidos. Mas, como foi dito, ela nem sempre é fonte de energia para nos transportar a novos lugares e parece mais uma âncora que nos prende ao passado.


Gestão como sinônimo de controle precisa ser conceito resignificado porque há muito mais asfixia do que criação de possibilidades para fazer e incrementar, inovar, criar e recriar constantemente num mundo que se cria e recria mais rapidamente ainda.


Quem será o convidado para o mundo sustentável que precisamos construir agora? Do sonho de quem ele será feito? Quem será ouvido? Quem participará de sua construção? Seremos inclusivos na hora do sufoco ou jamais seremos nada. Bom seria ser inclusivo sempre, mas se pelo menos neste momento pudéssemos alargar nossos horizontes, as soluções seriam de melhor qualidade. Diversidade e sustentabilidade andam juntas e uma é parte integrante da outra.


Não há sustentabilidade sem valorização da diversidade, o que significa gostar, ter apreço, considerar e reconhecer a diversidade que nos caracteriza a todos como fonte potencial de adição de riqueza a todos. Não há porque afirmarmos nossas características ou marcadores identitários se não for para cooperarmos melhor nessa construção da sustentabilidade que precisa ser coletiva e intensamente vivida no encontro, no diálogo, na abertura ao novo, ao diferente de si, do padrão dominante, do esperado e da rotina forjada por práticas controladoras e autoritárias. O inusitado, o inesperado e a surpresa dependem da pessoa para serem percebidos e transformados em algo interessante para si e para o todo.


No mundo do triple bottom line, que desconstrói a lógica do lucro por si só e para si mesmo, a diversidade é muitas vezes esquecidas. É como se ao falar de pessoas, planeta e lucro não estivéssemos falando também de cultura, de política e de economia, de filosofia e de visões de mundo que interagem para compor a realidade e os padrões de felicidade. Há quem traduza lucro (profit) por economia no modelo criado por John Elkington em seu livro “Canibais de Garfo e Faca”, de 1999. Economia não envolve pessoas e o planeta? Não envolve aspectos culturais e políticos? Onde há pessoas, há cultura. A dimensão cultural é parte da essência da humanidade nesta eterna construção de nós mesmos e das maneiras de vivermos juntos no planeta e até fora dele. A diversidade humana está na essência de uma gestão sustentável que trabalha para o desenvolvimento sustentável.


Porque esquecemos este pequeno detalhe? Porque tudo em volta conspira para isso com anos e anos de desprezo pelo que não é liso, homogêneo, regular, normal... E ser normal é caber nas medidas do Homem Vitruviano, de Leonardo da Vince. Tudo que não é homem, com medidas simétricas, branco e adulto, foge da norma de perfeição comprada por nossa mente como atributo de beleza, confiabilidade, harmonia, paz, sucesso e felicidade.


A diversidade que queremos tem vida, não é insípida, inodora, incolor, invisível, intátil, insonora, insopesável, imperceptível, sem nada que atrapalhe a paz do Homem Vitruviano. A diversidade que queremos é inclusiva porque se identifica com a pluralidade humana que nos caracteriza a todos e assim deveria estar presente em nossas organizações, espaços onde reunimos gente e não “mão de obra”.


Diversidade é uma palavrinha relegada ao campo da cultura e pouco utilizada nas discussões sobre sustentabilidade. No entanto, sem a dimensão cultural, não há triple bottom line que sobreviva.


*Revisto em 09 de agosto de 2015.

sábado, 8 de agosto de 2015

O mito do amor paterno ou a construção de novas relações entre homens e seus filhos e filhas


O mito do amor paterno ou a construção de novas relações entre homens e seus filhos e filhas

Reinaldo Bulgarelli
08 de agosto de 2015

Meu pai tinha quarenta e quatro anos quando eu nasci. Era quase um idoso para os padrões dos anos 60. Quando eu tinha dez anos, ele já era um idoso para os padrões dos anos 70. Fui criado por um homem que foi meu pai e meu avô. Para além do que dizem ser o papel de pai e papel de avô, percebo que ele experimentou também uma transição e resolveu dilemas, modernoso como era, que hoje estão mais presentes na vida dos homens.

O pai não tinha tempo para nada em seu papel de provedor, o que trabalhava enquanto a mãe ficava cuidando da casa (como se isso não fosse trabalho). O avô já tinha passado alguns sustos com a saúde, não trabalhava tanto como antes e dava mais valor a passear comigo do que fazer outras coisas em seu tempo livre. O homem nascido em 1917, meu pai, mantinha uma relação distante, tinha uma presença pontual, forte, marcante, mas sem nenhuma blandícia ou afagos. O homem dos anos 70, já avô, buscava corrigir o passado ou o que lhe haviam ensinado sobre o que era ser pai, construindo comigo uma relação que permitia expressar algum carinho, até mesmo físico.

Dizem que quando nasce uma criança, nasce também uma mãe e um pai. Falar em nascimento de um pai faz parecer que acontece uma mágica e não a construção de uma relação, mesmo que cercada de predefinições da sociedade naquele determinado tempo e lugar. Li ontem uma reportagem sobre um pai de filhos gêmeos que ficou viúvo e com os bebês para criar. A entrevista desse pai fala da construção de uma relação: "Esses dias que estou pegando eles no colo, estou conhecendo cada detalhe do corpinho deles: dedinhos, sobrancelha, cheiro. Estou viciado no cheiro deles. Nessas horas eu penso, ‘é verdade, eu sou pai!’."(1)

Meu pai, vindo da roça, como se diz, me faz imaginar quão distante era seu pai em termos de demonstrações de afeto, como pegar no colo, brincar junto, beijar, afagar, abraçar na hora do medo, dormir junto, enxugar as lágrimas, falar de sentimentos, dedicar tempo para os cuidados como trocar fraldas, dar banho e assim por diante. Essas manifestações de cuidado e afeto eram coisas atribuídas às mães como fruto de um instinto materno, algo da natureza das mulheres, que nasceram para ser mães e cuidar dos filhos. Aos homens não cabia o afeto porque eram provedores, fortes, racionais, poderosos, os que impunham a ordem, a disciplina, com a palavra final sobre tudo. Era feio para um pai demonstrar afetos ou qualquer proximidade. O certo era a distância para não deseducar e não transgredir os limites entre o mundo masculino e o feminino.

Elizabeth Bandinter, no livro “Um Amor Conquistado - O Mito do Amor Materno”(2), já desconstruiu esse pensamento que naturaliza o que está no campo da construção social e cultural. Não há uma essência amorosa em toda mulher que a faz ser “naturalmente” levada à maternidade para ser normal e realizada na vida. As mulheres, com o feminismo, se libertaram da sina e estão livres para amar. Elas escolhem casar ou não casar, ter ou não filhos, exercer a maternidade desta ou daquela maneira. Cada vez mais desejam se livrar da culpa quando não cumprem com o que foi estipulado como natural, um instinto básico de toda e qualquer mulher nascida para cuidar do esposo, dos filhos, da família, da casa.

As mulheres saíram de casa para trabalhar e a maternidade está sendo cada vez mais adiada para o fim da idade reprodutiva ou simplesmente deletada das possibilidades. É possível ser feliz sem ter filhos. Se tem filhos, é por escolha e não mais como um destino definido para todas as mulheres. Também o gosto por trabalhar fora ou o gosto pela profissão, carreira, vida social, as faz combinar a maternidade com tudo isso. Fosse o mercado de trabalho menos avesso às coisas da vida, como a maternidade, combinariam ainda mais e melhor esses prazeres ou tarefas. Estou falando de uma determinada classe social com mais recursos, mas o sentimento de liberdade, mesmo com as pressões vividas pelas mulheres mais pobres, já é maior do que o experimentado pelas suas mães e avós.

Naquelas empresas que não querem ser amadas acima de todas as coisas, que obrigam as mães a escolher entre viver ou trabalhar, as mulheres se realizam mais e tudo indica que isso seja também muito positivo para o desenvolvimento de seus filhos. Quando as regras permitem, as políticas favorecem e a cultura interna impede o machismo de punir as mulheres na volta da licença maternidade e nos cuidados que os primeiros anos de vida exigem dos pais, a mulher consegue conciliar melhor suas muitas facetas e realizar escolhas. A mulher, sem os condicionamentos impostos, tem melhores condições para definir suas prioridades.

E os pais? Também estamos vivendo hoje o que meu pai-avô tentou experimentar nos anos setenta. Os homens estão entendendo que devem ir mais para casa, assim como as mulheres foram para o mercado de trabalho. Eles não só devem, mas percebem que isso está no campo das escolhas, das possibilidades, da liberdade de ser diferente do que foi e fez as gerações passadas.

Como aquele pai viúvo que, por conta das circunstâncias, se viu numa proximidade maior com seus filhos, outros pais estão “nascendo”. Eles estão construindo uma relação de tipo novo com seus filhos e filhas. É possível que alguns comecem a inventar o mito do amor paterno. Tomara que não. Tomara que deem valor às escolhas que estamos realizando. Tomara que reconheçam o quanto o feminismo está ajudando também na libertação dos homens. O carcereiro não deixa de ser um prisioneiro, como dizem algumas feministas.

Os homens de hoje romperam com a distância imposta por papéis de gênero que não fazem mais sentido ou que foram percebidos como autoritários e destruidores de relações mais amorosas e edificantes para todos, filhos e pais. Eles expressam afeto, convivem, beijam, curtem o cheirinho da criança e até se tornam os principais cuidadores, o que era antes proibido aos homens provedores.

Claro que há ainda um grande número de homens, como dizem os dados, presos nos papéis definidos por outros, sobrecarregando as mulheres, prisioneiros do machismo. Claro que o mercado de trabalho e a legislação do país ainda determinam o que cabe “naturalmente” às mulheres e aos homens, mas os sinais de mudança estão presentes e apontam para um futuro mais interessante.

É um futuro no qual os homens não terão apenas cinco dias corridos de licença, tempo oferecido pelo mercado de trabalho para registrar o filho. Já temos algumas empresas ampliando voluntariamente a licença paternidade por entender que isso é um diferencial na guerra por talentos, por querer atender uma demanda que já existe por parte dos homens e por querer contribuir efetivamente na construção da equidade de gênero. Empoderar as mulheres, como dizemos, passa criar condições para que o homem vá mais para casa, experimente a dor a e delícia do mundo dos cuidados, tanto quanto elas experimentam a dor e a delícia do dito mundo produtivo.

Ser pai jamais será como antes, tomara. Se houve a desconstrução do mito do amor materno, ele permitiu também a construção de uma proximidade dos homens com os filhos e filhas que, talvez, nunca tenha acontecido antes na história da humanidade. Não sei. Que os historiadores se ocupem disso. Que é melhor ser pai hoje e será ainda mais no futuro próximo, isso dá para dizer. Feliz dia dos pais, homens do século XXI!
(1)    http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2015/08/licenca-maternidade-e-passada-para-pai-de-gemeos-apos-morte-da-esposa.html
(3)    Depoimento de um pai no site Pais que Educam, de onde retirei a foto que ilustra este artigo: http://www.paisqueeducam.com.br/2014/08/20/para-um-pai-o-que-e-paternidade-ativa/