Reinaldo Bulgarelli,
sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação
08 de março de 2016
Este artigo, pensado para pessoas que estão inseridas no mundo das empresas, tenta apresentar algumas ideias que atrapalham o caminho e outras que podem nos ajudar a seguir adiante e mais rapidamente.
Feminismo.
Feminismo.
O que é ser feminista? É ser a
favor da igualdade entre homens e mulheres. Tão simples, mas tem sido difícil
construir essa igualdade, tanto é que estagnamos em alguns pontos e precisamos
de novas abordagens e estratégias para avançarmos.
Quando somos feministas e
defendemos a igualdade entre homens e mulheres, estamos apenas colocando em
prática o que está na Declaração Universal de Direitos Humanos: todas as
pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
Então, se você preferir não
adotar o nome de feminismo para essa crença, fique à vontade porque o
importante mesmo é compartilhar dos princípios, dos valores universais de
direitos humanos e, sobretudo, agir com base neles para transformar essa
afirmação da liberdade e da igualdade em algo concreto.
Igualdade? Quer dizer que não existem
diferenças entre homens e mulheres?
A luta pela igualdade não
significa dizer ou supor que não haja diferenças entre homens e mulheres. A
pessoa precisa ser muito ingênua para dizer que é contra o feminismo porque
homens e mulheres são diferentes. E são mesmo diferentes de muitas maneiras.
A igualdade que interessa aqui
afirmar é a que considera nossas diferenças para promover justiça, ou seja,
estamos falando de equidade e visando o desenvolvimento pleno de nossos
potenciais como homens e mulheres.
A diferença está para a diversidade como a
desigualdade está para a opressão.
Portanto, a diferença que existe
no fato de ser do sexo feminino não pode se transformar em motivo para
desigualdades injustas, desvantagens, vulnerabilidades, violências,
desqualificações e exclusões. E isso tudo costuma acontecer em função de uma
visão sobre a superioridade dos homens.
O que é diferente se transforma em
desigualdade injusta. Homens e mulheres possuem características, semelhanças e
diferenças numa relação que poderia ser marcada pela riqueza que a diversidade
oferece. Contudo, a mulher se torna diferente do homem, o ser superior, e não
apenas uma pessoa com características nas quais há diferenças e semelhanças em relação
aos homens.
Não suma com as características. Considere-as!
Somos diferentes e, aliás, viva a
diversidade! É o segredo da vida em todos os sentidos, cultural e
biologicamente falando. Quando afirmamos a igualdade para sumir com as diferenças,
não é um bom caminho, é opressão de uns sobre outros porque o que irá imperar é
o que se acha superior ou aquele que é escolhido como superior. Iguais em
dignidade e direitos é o que está sendo afirmado e o que precisa mover nossa
vontade para a construção de nosso pleno desenvolvimento como pessoas e como
sociedade.
Igualdade, então, não significa
sumir com as diferenças ou, de forma mais ampla, com as características. É
preciso considera-las ao se pensar em qualquer atividade humana, ao se pensar no
nosso jeito de ser, de fazer as coisas e de nos relacionarmos.
Dê à natureza o que é da natureza! Desnaturalize
o que está no campo social.
Para isso, é importante não
naturalizar as desigualdades injustas ou atribuir a comportamentos, escolhas
que realizamos sobre como ser homem e mulher na sociedade, esse ar de ciência
natural, de biologia que tudo explica e tudo justifica. Nossos costumes,
hábitos, a cultura na qual estamos imersos é a responsável por muito do que
acontece e não a natureza.
Se a sua frase começar com “é
natural”, pare e pense bem. Pode estar escondendo algo de opressão, de
injustiça que pode ser resolvido, enquanto o que é da natureza entregamos para
ela resolver. Desnaturalize!
Colocar no campo do natural o que
está dado no campo das relações sociais, da cultura, das coisas que inventamos
sobre como ser homem e ser mulher em diferentes tempos e lugares é um dos
entraves maiores que as mulheres enfrentam.
Sexo e gênero – o natural e o social.
Por isso estamos falando aqui de gênero.
Simplificando, é como uma casca de cultura sobre a realidade biológica que
também nos caracteriza, mas que não nos aprisiona ou nos conforma numa
realidade como se fosse um destino traçado, um lugar para habitar para todo o
sempre. Nenhum ser humano é assim. Não nos conformamos com nada e a tudo
transformamos.
A própria natureza não existe sem
a cultura se pensarmos em como nossos corpos foram evoluindo ao longo da
história da humanidade. Edgar Morin diz algo importante sobre nossa condição
humana: somos 100% biologia e cultura. Nossos corpos foram sendo construídos
também a partir de nossas escolhas, nossos hábitos e costumes. Estamos falando
de milhões de anos de nossa evolução e não apenas nos dias atuais.
Simone de Beauvoir diz que “Ninguém
nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico
define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da
civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado
que qualificam de feminino.” Gênero é essa questão presente nas nossas escolhas
de como podemos ser homens e mulheres para além de nosso sexo.
Iguais e ao mesmo tempo
diferentes, entre o que é dado pela biologia e o que é construído no campo das
relações sociais, assim somos e a confusão não ajuda em nada na construção de relações
justas e respeitosas para com todas as pessoas.
Feminismo e machismo
Se o feminismo é a expressão da
crença na igualdade e trata do enfrentamento travado para a construção dessa
igualdade, o inimigo da mulher, portanto, não é o homem, mas o machismo. Ele
anda pelas cabeças de homens e mulheres prejudicando aos dois, prejudicando a
todos e o todo, a sociedade, as possibilidades de desenvolvimento que possam
beneficiar a todas as pessoas num mundo sustentável.
Está afirmação acima é perigosa
porque pode esconder a verdadeira tragédia que significa ser mulher numa
sociedade machista, violenta, que produz desigualdades injustas, humilhações e
desvantagens das mais variadas. Pode esconder o poder que os homens possuem,
que dele gozam com privilégios imensos e muito bem saboreados por muitos desses
homens. Muitos não querem abrir mão do poder e dos privilégios que há no fato
de ser homem num mundo machista.
A afirmação de que o machismo é o
inimigo a ser enfrentado não pode esconder nada e deve escancarar a tragédia,
denunciar os privilégios, questionar e abalar o poder exercido sem qualquer
legitimidade. Quando o machismo é o inimigo, ganha-se maior efetividade,
contudo, neste enfrentamento porque a afirmação permite enxergar melhor o problema
e engajar todos os seus envolvidos, incluindo os homens.
E os homens?
Diz um texto feminista que li há
muitos anos que o carcereiro é também um prisioneiro. Os efeitos do machismo
sobre a vida dos homens são imensos também, com prejuízos dos mais variados. Disse
Emma Watson, embaixadora global da Boa Vontade da ONU Mulheres, apontando um
dos prejuízos mais básicos causados pelo machismo:
“Eu quero que os homens comecem
essa luta para que suas filhas, irmãs e esposas possam se livrar do
preconceito, mas também para que seus filhos tenham permissão para serem
vulneráveis e humanos e, fazendo isso, sejam uma versão mais completa de si
mesmos”.
A crença por traz é que homens e
mulheres nasceram para ampliar juntos as possibilidades do gênero humano. Boutros
Boutros-Ghali, então Secretário Geral da ONU (1992-1996), escreveu que “A humanidade
possui duas asas. Uma é a mulher. A outra é o homem. Enquanto as asas não forem
encaradas com a mesma dignidade que cada um merece, a humanidade não poderá
voar. Necessitamos de uma nova humanidade.”
Que romântico, dirão alguns. Que triste,
isto sim, é viver num mundo em que ainda é preciso ficar explicando porque é
importante promover a igualdade entre homens e mulheres. Não há como promover
igualdade sem envolvimento dos dois, homens e mulheres, no enfrentamento do
machismo. O problema e a solução moram na qualidade das relações entre homens e
mulheres. Nada mais importante que conseguir enxergar os problemas do machismo
para os dois e engajar a todos nesta desconstrução necessária para ambos.